Acao e reacao. Intervencoes urbanas e a atuacao das instituicoes no pos-desastre em Blumenau (Brasil). - Vol. 39 Núm. 116, Enero - Enero 2013 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 635494841

Acao e reacao. Intervencoes urbanas e a atuacao das instituicoes no pos-desastre em Blumenau (Brasil).

AutorJacobi, Pedro R.
CargoTexto en portugu

RESUMO | Em novembro de 2008, no Vale do Itajaí, na Região Sul do Brasil, ocorreu um desastre associado à precipitação extrema de chuvas, que atingiu 1,5 milhões de pessoas, com 135 mortos e cerca de 80.000 desabrigados e desalojados. Após o evento, algumas intervenções foram propostas no Município de Blumenau, tais como, a urbanização da margem do Rio Itajaí-açu, na área central da cidade. O artigo aborda essa proposta de intervenção, a partir das discussóes sobre o planejamento territorial pós-desastre e a atuação das instituições na gestão dos recursos naturais e do espaço urbano. O caso mostra que, apesar da necessária reflexão sobre o padráo da ocupação urbana, os desastres tornam-se oportunidades para intervenções com caráter de exceção e emergência, sem o devido planejamento e discussão sobre os impactos nos sistemas sociais e ecológicos. A frágil governança deu origem a um conflito entre a Prefeitura Municipal e instituições e atores organizados em torno da proteção ambiental e dos recursos hídricos, o que levou a impasses na intervençáo emergencial.

PALAVRAS CHAVE | gestão urbana, gestáo ambiental, projeto urbano

ABSTRACT | In November 2008, in the Itajai Valley in the South Region of Brazil, a disaster occurred with extreme of precipitation affecting 1.5 million people, with 135 dead and around 80,000 displaced or homdess. After the event, interventions were proposed in the City of Blumenau such as the urbanization on the margin of the Itajai-açu river in the central area. The paper addresses this intervention within the context of discussions on post disaster territorial planning and institutional performance in natural resource management and urban space. This case shows that despite the necessary reflection on the pattern of urban occupation, disasters become opportunities for interventions characterized as exceptions and emergency, without ah adequate planning and discussion about the impacts of the social and ecological systems. The fragile governance resulted in a conflict between the county administration and the imtitutions and actors organized around environmental protection and the water resources, which has led to a gridlock in the emergency intervention.

KEY WORDS | environmental management, urban management, urban project

Introdução

A literatura sobre desastres naturais e, principalmente, sobre enchentes e inundações, está diretamente relacionada com os temas de governança, segurança e vulnerabilidade. Warner (2008) mostra como as enchentes são os desastres mais comuns e devastadores, e como os problemas gerados após um evento expõem a falta de um planejamento do uso e da ocupação do solo, o despreparo das autoridades e a falta de um ethos de prevenção na sociedade. Não se pode também desconsiderar os agravantes associados às desigualdades sociais e à precariedade da estrutura urbana, que se tornam vetores da multiplicação de tragédias recorrentes, causadas pelo descontrole do processo histórico de ocupação urbana.

Esta reflexão está pautada pela noção de risco e segurança como componentes analíticos de uma realidade socioambiental, caracterizada pela fragilidade na capacidade de resposta social, assim como pela falta de ações intersetoriais, em virtude da cultura política institucional pautada pelas ações setoriais, e também por aquelas voltadas para interesses de grupos econômicos e políticos.

Com o objetivo de discutir esses aspectos, apresenta-se o caso de intervenção urbana proposta pós-desastre ocorrido em novembro de 2008, no Município de Blumenau, localizado no Estado de Santa Catarina, na Região Sul do Brasil. Esse evento foi identificado como extremo por não haver registro anterior de precipitação pluviométrica de igual intensidade e pela dimensão dos seus efeitos. O caso também ilustra e possibilita a análise da governança urbana, considerando o papel de atores e instituições, tais como universidade, comitê de bacia hidrográfica, agências governamentais, organizações de proteção do meio ambiente e Ministério Público, em um contexto de descentralização e participação na gestão dos recursos naturais e do espaço urbano. Discutem-se, assim, as possibilidades de desenvolvimento de uma ação intergovernamental na confrontação dos desastres ante e pós-evento.

Governança do espaço urbano frente aos desastres

No atual quadro da urbanização mundial, é inquestionável a implementação de políticas públicas orientadas a tornar as cidades social e ambientalmente sustentáveis, como uma forma de se contrapor ao quadro de deterioração das condições da vida urbana, em especial nos países periféricos. Considerando esse quadro, a governança do espaço urbano pode ser a chave no alcance de uma condição de sustentabilidade e redução de vulnerabilidades aos desastres, dentre os quais cumpre destacar, para fins desse artigo, aqueles desastres relacionados aos eventos pluviométricos extremos.

Entende-se, por governança, as reformas administrativas e de Estado que têm como objeto a ação conjunta em busca de uma solução inovadora dos problemas sociais por parte do Estado, empresas e sociedade civil, de forma eficaz, transparente e compartilhada, tendo em vista o desenvolvimento sustentável. Trata-se de uma tendência voltada à autogestão nos campos social, econômico e político, em contraposição à hierarquia e ao mercado, com suas formas de gestão à base de "poder e dinheiro". Ao modelo proposto somam-se a negociação, a comunicação e a confiança (Kissler & Heidemann, 2006).

Os canais políticos tradicionais têm se mostrado incapazes de atender as demandas sociais, de modo que, a participação popular direta revela-se mais efetiva e mais de acordo com os imperativos de autonomia e descentralização na formulação e implementação das políticas que vêm no bojo da nova governança pública. Os movimentos sociais e organizaçóes não governamentais, centradas na maior parte das vezes sobre reivindicações específicas (proteção ao ambiente, direitos do consumidor, questões de gênero, direitos da criança, etc.), parecem corresponder a uma especialização e uma profissionalização que são características da nova administração pública. Nesse contexto, o espaço público se fragmenta numa pluralidade de campos de discussão e de atuação, cada qual constituído de atores específicos interessados em seus respectivos temas, uma vez que a complexidade crescente dos problemas e das discussões atuais exige que os atores sociais também se especializem (Bento, 2003).

A partir da emergência desses novos sujeitos coletivos de representação política democrática, novos padrões de legitimidade vão sendo forjados. De um lado, do ponto de vista procedimental, faz-se mister a permeabilidade da administração quando da formulação de políticas e normas reguladoras à ampla participação dos setores da sociedade civil interessados e, ao mesmo tempo, o controle por meio de mecanismos mais complexos e sofisticados de responsabilização e prestação de contas (Bento, 2003).

O fato é que a governança surge do enfraquecimento do Estado e da necessidade de envolver outros setores na elaboração e implementação de políticas públicas, como forma de legitimação das decisóes tomadas. Grande parte da literatura sobre o tema, considera a nova e/ou boa governança, relacionada ao espaço e aos recursos naturais, como aquela realizada por meio da participação pelo envolvimento e negociação de multi-stakeholders, e pela descentralização (transferindo poder para o governo local--empowerment), considerando a unidade de gestão por bacia hidrográfica e a utilização de mecanismos para a resolução dos conflitos (Solanes & Jouralev, 2006; Castro, 2007). O uso do termo governança, remete às exigências elementares da democracia, a saber: o acesso à informação, ou seja, ao fato de que os governantes devem favorecer a transparência das decisões, prestando contas aos cidadãos e que, estes últimos, tenham ciência das decisões que lhes atinjam mais diretamente (Scarwell, Kergomard & Langanier, 2007).

Os estudos da governança da água (Castro, 2007; Castro, 2009) têm focado suas análises nas relaçóes que se desenvolvem em diversos níveis, na dinâmica de organização das bacias hidrográficas (Jacobi, 2004), na lógica nacional e transnacional (Conca, 2006; Ribeiro, 2009; Jacobi & Sinisgalli, 2009) e na gestão dos serviços (Warner, 2005; Swyngendouw, 2006; Castro & Heller, 2009). A construção social da água, coloca questões e visóes diferenciadas sobre produção, consumo, acesso, mas também sobre tccnologias, capital, mercado, conhecimento e relações sociais. O uso da água ocorre em diferentes escalas geográficas e sociais e, seu consumo e transformação, podem ser objeto de mudanças que não se colocam apenas no plano político-institucional, mas também no organizacional e cultural.

Ao se analisar os desastres envolvendo eventos extremos pluviométricos, há que se partir da premissa de que todo sistema hídrico é parte constitutiva de um sistema ambiental. Atualmente, existe ampla concordância que o uso e as mudanças nos sistemas hídricos não podem ser entendidos, separadamente, de vários temas conexos, como: o planejamento e o uso do solo (Gallart & Llorens, 2003), mudança climática (Kalnay & Cai, 2003; Pahl-Wostl, 2002 e 2007; Ojima, 2009), saúde pública, governança da água (Rogers & Hall, 2004; Solanes & Jouvralev, 2006; Jacobi, 2009; Jacobi & Sinisgalli, 2009), gestão ambiental, comércio internacional e segurança ambiental.

Do exposto, pode-se afirmar que a confrontação dos desastres, envolvendo eventos pluviométricos extremos nos espaços urbanos, deve-se dar a partir da abordagem da nova governança pública, que requer ação responsável dos diversos atores, públicos, privados e da sociedade civil, nas diferentes escalas de implementação das políticas públicas de gestão territorial urbana, da água e dos desastres.

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