O aquecimento imobiliario e o mercado de habitacao na area central de Sao Paulo (2001-2010). - Vol. 39 Núm. 117, Mayo - Mayo 2013 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 635661921

O aquecimento imobiliario e o mercado de habitacao na area central de Sao Paulo (2001-2010).

AutorShimbo, Lucia
CargoArtículo en portugués

RESUMO | O aquecimento imobiliário ocorrido no Brasil, desde 2006, abrangeu uma nova faixa de consumidores e novas localidades que, em período anterior, eram desvalorizadas pelo mercado. Esse fenômeno pôde ser verificado na recente dinâmica imobiliária na área central de Sáo Panlo, em especial, nos lançamentos residenciais voltados para as faixas de renda média e média baixa, beneficiadas pela política habitacional brasileira contemporânea. A partir das informações disponibilizadas no banco de dados da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) e nos sites das empresas construtoras e incorporadoras, este artigo caracteriza e analisa os empreendimentos residenciais lançados na área central, entre 2001 e 2010, e problematiza a reinserção deste território no circuito imobiliário da metrópole paulistana. Diante dos resultados da pesquisa, resta a seguinte questão: como o mercado está conseguindo reproduzir o mesmo padrão nas periferias e nas áreas centrais?

PALAVRAS-CHAVE | habitação, mercado imobiliário, centros urbanos.

ABSTRACT | Since 2006, the warming in Brazilian real estate covered a range of new consumers and new locations that, in the previous period, were undervalued by the market. This phenomenon can be seen in recent real estate dynamic in the central area of São Paulo, especially in residential launches targeted to middle and lower-middle income groups, which were benefited from the contemporary Brazilian housing policy. From the information available in the database of the Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) and the sites of construction companies and developers, this article examines the residential developments launched in the central area, between 2001 and 2010, and discusses the reintegration of this territory in the metropolitan real estate circuit. Considering the results of the survey, the question remains: how is the market reproducing the same pattern in urban outskirts and in central areas?

KEY WORDS | housing, real estate market, urban centres.

Introdução

Este texto procura analisar a dinâmica imobiliária na área central da cidade de Sáo Paulo durante a primeira década dos anos 2000. Mais precisamente, procura caracterizar o recente aquecimento do mercado de habitaçáo e compreender os fatores que levaram ao aumento do número de lançamentos residenciais, sobretudo, voltados para os setores de renda média. Desde 2006, no Brasil, vem ocorrendo alterações significativas no seu contexto socioeconômico, na sua estrutura de financiamento habitacional e nas políticas urbanas municipais, que acabam por favorecer a atuação do mercado imobiliário em áreas e em segmentos de demanda que, até entáo, náo eram valorizados pelos agentes privados.

A articulaçáo entre Estado e mercado na produçáo e na regulação do ambiente construído é por demais potente no caso brasileiro, mas náo deixa de estar presente na Europa e na América do Norte. Nesses países, como analisa Weber (2002), desde os anos 1950 estados nacionais e governos municipais desenvolveram mecanismos que tornaram o ambiente construído mais flexível e suscetível aos critérios do capital imobiliário. Na escala nacional, esses esforços incluíram recursos financeiros para a renovação urbana do pós-guerra e medidas regulatórias que facilitaram os processos de securitização de dívidas, destruíram proteções para a habitação social e proporcionaram suporte para a formaçáo de cartéis imobiliários. Governos locais produziram seu próprio conjunto de diretivas voltadas, em sua maioria, para absorver os riscos e os custos do desenvolvimento urbano, e posterior atuação dos agentes privados que, dessa forma, não precisavam arcar com esse investimento. Em especial, nas áreas centrais consolidadas, municipalidades justificaram tais intervenções estigmatizando, estrategicamente, propriedades e imóveis que se encontraram "degradados" ou "obsoletos" e que requisitaram, portanto, iniciativas de demoliçáo ou de reabilitaçáo. Essas justificativas fortaleceram e naturalizaram conceitos ambíguos presentes em políticas urbanas, tais como "degradação" ou "deterioração" (em inglês, blight) e "obsolescência" (obsolescence), e que ainda criam "a aparência de certeza entre a cacofonia de demandas sobre valor da propriedade urbana" (Weber, 2002, p. 520). Para a autora, portanto, taxar alguma área como "degradada" obscurece as reais situações de determinadas propriedades, influenciando de antemão o valor e legitimando futuras intervençóes públicas e ou privadas.

Procurando escapar desse conteúdo simbólico e político do conceito de degradação, Brindley, Rydin e Stoker (1987) preferem chamar tais áreas como "negligenciadas" ou "abandonadas" (em inglês, derelict áreas), seja pelo Estado, seja pelo mercado.

Esses processos de identificaçáo de áreas "degradadas" e os seus respectivos projetos de recuperação ou de requalificação--vale lembrar que assim como "degradação; são diversas as noções que dizem respeito à solução do problema, tais como, reabilitação, revitalização, regeneração etc.--também ocorreram nas grandes cidades latino-americanas, porém, com uma defasagem de tempo e com algumas característiías peculiares em relação às matrizes europeia e norte-americana. Na América Latina, tais processos têm fontes de recursos locais e internacionais e se baseiam, de modo geral, na articulação entre atores econômicos e políticos locais e nacionais para a formação de parcerias público-privadas e em modelos empresariais de gerenciamento de políticas urbanas (Zanchetti, 2010).

Por exemplo, em algumas cidades mexicanas e em São Paulo, as políticas urbanas de "revitalizaçáo" de centros, como destaca Bidou-Zachariasen (2006), inspiraram-se em modelos europeus, principalmente Barcelona, e apresentaram intençóes bastante próximas, apesar de seus contextos diferentes. De modo geral, as estratégias privilegiaram a promoçáo de atividades econômicas ligadas ao turismo, à cultura, ao consumo de produtos de luxo bem como a requalificação de construçóes residenciais a fim de trazer de volta as classes médias, apesar do discurso a respeito da promoção da diversidade social. Ao retorno dessas classes "se atribuem as mudanças de imagem por que passará a cidade, o que por sua vez se acredita, irá atrair os investidores privados, sem os quais esses projetos náo podem ser bem sucedidos" (Bidou-Zachariasen, 2006, p. 52).

Na área central da cidade de Sáo Paulo, além de apresentar políticas e programas específicos para a sua requalificação, repercutiu também o processo nacional de aquecimento do mercado imobiliário, em especial, os lançamentos residenciais pertencentes ao "segmento econômico" que compreende os imóveis residenciais com valores de até R$ 200.000,00 (em reais de dezembro 2010, ou aproximadamente, cem mil dólares), destinados às famílias com renda mensal entre três e dez salários mínimos, ou seja, aos setores de renda média e média baixa. (1) No Brasil, esse segmento ganhou expressividade, sobretudo, a partir de 2006, quando uma injeção de recursos públicos e privados alavancou a produçáo de moradias pelo mercado.

O processo de estabilizaçáo da economia brasileira, iniciado no Plano Real, consolidou-se nos anos 2000 e repercutiu em crescimento econômico e num aumento considerável do poder de consumo da população, em especial, seus setores médios. (2) Ao mesmo tempo, o país passou a integrar, mais fortemente, às operações do mercado financeiro mundial, mesmo que, como ressalta Paulani (2008), numa condiçáo de "servidáo financeira" em relação à "cabine de comando do capitalismo contemporâneo".

Por um lado, esse crescimento do poder de consumo possibilitou o aumento do número de sujeitos passíveis de obterem créditos, dentre eles, o habitacional. Por outro, essa faixa de consumo foi "descoberta" pelas grandes empresas construtoras e incorporadoras. E esse consumo foi incentivado pelo poder público via crédito habitacional, potencializado pela entrada de capital financeiro nessas grandes empresas. (3)

No âmbito do Estado, a "nova" política nacional de habitação elaborada em 2004 pelo primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), visava ampliar maciçamente os recursos de fundos públicos e semi-públicos para os financiamentos habitacionais e arregimentar outros fundos para esse fim, na perspectiva de aumentar a produção subsidiada de habitação (para as faixas de menor renda) e de fomentar o mercado privado de habitaçáo (Brasil, 2004).

Como resultados dessa política, por um lado, houve um aumento exponencial nos valores de financiamento habitacional contratados pelo Sistema Financeiro Habitacional (SFH), contando com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Em 2003, quando se iniciou o primeiro governo Lula, o valor total contratado pelo SFH era de aproximadamente cinco bilhões de reais; em 2008, na metade do segundo governo, esse valor foi multiplicado por oito, excedendo quarenta bilhóes de reais. Em 2009, o governo federal formalizou o incentivo à produção privada de moradias ao lançar o Programa "Minha Casa, Minha Vida" (PMCMV), com a meta de construir um milhão de unidades habitacionais, injetando um montante de recursos ainda maior do que nas linhas de financiamento anteriores. Em 2011, na segunda versão do programa, a promessa foi de mais dois milhões de unidades. (4)

Outras medidas regulatórias também favoreceram as atividades imobiliárias e o setor da construção civil, como, por exemplo, relacionadas à segurança jurídica na transação de imóveis e à desoneração de impostos. (5) conjunto total das estratégias econômicas e políticas adotadas pelo governo federal favoreceu, em grande medida, o forte aquecimento do mercado habitacional no Brasil. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) não ficou imune a esse processo: entre 2006 e 2010, houve um acentuado aumento no número de lançamentos residenciais, superando todos os recordes anteriores desde a década de 1980...

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