Revitalizacao de centros urbanos no Brasil: uma analise comparativa das experiencias de Vitoria, Fortaleza e Sao Luis **. - Vol. 31 Núm. 93, Agosto 2005 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 55690773

Revitalizacao de centros urbanos no Brasil: uma analise comparativa das experiencias de Vitoria, Fortaleza e Sao Luis **.

AutorBotelho, Tarc

Resumo

O estudo dos processos de revitalização urbana tem ocupado um importante lugar na compreensáo da dinâmica urbana contemporânea dada a freqüência e a abrangência que eles têm conhecido. Nas últimas décadas, estes processos têm se caracterizado por incorporarem a "cultura" como conteúdo diferenciador das várias experiencias de revitalização. Neste artigo, avalio o lugar do patrimônio cultural nas experiências recentes de revitalização dos centros de Vitória (ES), de Fortaleza (CE) e de São Luís (MA), enfocando sobretudo o papel do poder público para obter êxito na implantação das políticas de revitalização. Considero que os processos de revitalização aquí enfocados apontam para articulaçóes inovadoras entre os atores envolvidos, na medida em que atingem conjuntos urbanos históricos diferentemente valorizados e passam por governos locais diferentemente comprometidos com os processos de revitalização dos centros urbanos.

Palavras-chave: revitalização urbana, patrimônio cultural, gentrification.

Abstract

The study of urban revitalization processes has taken pride of place in the studies of contemporary urban dynamics, given their frequency and broad scope. In the last few decades, they have stood out, among a variety of revitalization processes, for their ability to incorporate "culture" as a differentiating content. In this article, I evaluate the part the heritage has played in the latest attempts at revitalizing the historical areas of Vitória (ES), Fortaleza (CE) and São Luis (MA), placing special emphasis on the role of the public power to enforce successful revitalization policies. In my opinion, the revitalization processes included in this paper point to innovative articulation among the players involved in them, once they comprise urban historical complexes with items of different values and are subject to local governments more or less committed to the revitalization of urban centers.

Key-words: Urban revitalization, cultural heritage, gentrification.

  1. Introdução

    O objetivo do trabalho é estudar os processos de revitalização urbana nas cidades brasileiras de Vitória (ES), Fortaleza (CE) e São Luís (MA), observando o lugar da cultura na justificação e na busca de legitimidade para tais processos, bem como as apropriações de tais processos feitas pelos segmentos neles envolvidos ou por des atingidos. As propostas de revitalização têm ocupado um importante lugar para a compreensão da dinâmica urbana contemporánea dada a freqüência e a abrangência que elas têm conhecido. Nas últimas décadas, estes processos têm se caracterizado por incorporarem a "cultura" como conteúdo diferenciador das várias experiências de revitalização. Neste sentido, o patrimônio histórico, as tradições locais, a cultura popular e outros elementos têm se transformado era mercadoria altamente valorizada no mundo contemporâneo.

    Uma ambigüidade latente nos processos de revitalizaçáo situa-se na tensão entre o local e o global. No cenário altamente competitivo da atual fase da economia de mercado, as cidades precisam se destacar através de um "diferencial" (a expressáo tão cara aos defensores do marketing, inclusive o das cidades). A valorizaçáo da tradição e da cultura local têm sido um dos mais explorados. Mas, uma vez que o modelo difundido no mundo é o mesmo (os centros precisam se revitalizar para tornar as cidades competitivas), o que se observa em muitos casos é o comprometimento da diferenciação que existia em cada sítio, seja no aspecto cultural e dos usos e costumes locais, seja no plano urbanístico e arquitetônico.

    Em geral os lugares, objetos dos processos de revitalização, eram, tempos atrás, possuidores de centralidade nas suas respectivas cidades. Em decorrências das diversas mudanças no planejamento, nas políticas urbanas e nos interesses do capital imobiliário, esses centros tradicionais foram perdendo a característica de centralidade para outras áreas, resultando era degradação desses espaqos. Trata-se, portanto, de uma experiência que está em pleno processo de avaliação e um fator que não deve deixar de ser pontuado é que na maioria dos casos, esses lugares, antes da revitalização, encontravam-se em uma situação de profundo comprometimento físico e social: lugares pouco povoados ou subutilizados, construções em situação de risco etc. Não resta multa dúvida sobre o fato da revitalização ter introduzido melhorias físicas ao lugar; o que está em avaliação e discussão é o caráter dos diferentes processos de revitalização.

    Por outro lado, é necessário verificar como as intervenções brasileiras se situam frente aos principais dilemas dos processos de revitalização já apontados pela literatura: como recuperar sera elitizar e sem expulsar os habitantes na época da intervenção? Se essa for a marca, estaríamos repetindo, um século depois, a experiência e os efeitos perversos das reformas urbanas do final do século XIX e início do XX? O uso dos espaços públicos deverá ser marcado pela contemplação e pelo consumo? As intervenções, tal como têm sido realizadas, destinam-se às classes médias e altas ou podem vira incorporar outros grupos? Dito de outra forma, a revitalização tornou-se sinônimo de gentrificação ou pode ser pensada também como forma de inclusão social, promoção da cidadania e reforço das identidades? Até que ponto as intervenções são ou não excludentes? Que grupos inclui e que grupos exclui?

    Embora as experiências de revitalização estejam se disseminando pelo Brasil, até o momento as principais análises concentram-se nos casos mais visíveis ocorridos em grandes metrópoles. Salvador e Recife são consideradas as principais "vitrines" brasileiras, ao lado do Rio de Janeiro e de São Paulo. A proposta desse trabalho é apresentar outros casos de intervenção nas regiões centrais de capitais estaduais brasileiras, observando similitudes e evidenciando as diferençãs. Foram escolhidas três capitais de estados brasileiros que estão vivendo processos de revitalização mas que foram ainda pouco estudadas: Vitória, Fortaleza e São Luís. Mesmo que não sejam os casos mais importantes de revitalizaçáo no Brasil, des são bastante significativos e exemplares porque apontam para novas articulações entre os atores envolvidos, além de terem sido conduzidos por diferentes instancias do poder público.

    Os processo de revitalização aqui enfocados apontam para arficulações específicas entre os atores envolvidos (nível de poder público, investidores privados, agência de fomento e/ou patrocinadores) na medida em que apresentam conjuntos urbanos históricos diferentemente valorizados pelas agências estatais de proteção ao patrimônio cultural (alta valorizado em São Luís, média valorização em Vitória e baixa valorização em Fortaleza) e passam por governos locais diferentemente comprometidos com os processos de revitalização dos centros urbanos (alto comprometimento em Vitória, médio era São Luís e baixo em Fortaleza). Nestes diferentes cenários, buscou-se perceber como a população apropria-se do "novo" espato revitalizado e incorpora novos significados e usos. É importante ver como os habitantes e os freqüentadores desses lugares são excluídos, incluídos ou se fazem incluir a partir do seu cotidiano aí construído.

    No desenvolvimento do trabalho, apresento inicialmente algumas das principais vertentes com que as ciências sociais têm analisado os casos de revitalização de centros históricos no mundo ocidental, situando a perspectiva pela qual se pretende aproximar dos casos em análise. Em seguida, apresento cada um dos casos, procurando enfatizar os aspectos que apontei acima. Ao final de cada caso, procuro ir articulando um quadro comparativo para tecer algumas considerações sobre os rumos e os impasses desses projetos de revitalização. Como condusão, reapresento rapidamente as linhas de força dos conjuntos analisados.

  2. Centralidade e revitalização nas grandes cidades do ocidente contemporâneo

    Os relatos sobre as experiencias vividas pelas grandes cidades norte-americanas ao longo do século XX são bastante uniformes. Eles descrevem o esvaziamento sofrido por suas regiões centrais era função do processo de suburbanização, agravado pelas grandes intervençóes urbanísticas que deterioraram ainda mais esses espaços urbanos. Em decorrências das diversas mudanças no planejamento, nas políticas urbanas e nos interesses do capital imobiliário, os centros tradicionais foram perdendo sua característica de centralidade para outras áreas (1). A partir da década de 1960, autores como Jacobs (2001) se voltavam contra os modelos urbanísticos que teriam provocado tal esvaziamento e pregavam urna recuperação dos usos da rua e dos españos públicos das grandes cidades.

    Ainda nos anos 1960, alguns autores apontavam para novas transformações que vinham sendo observadas nos centros das grandes cidades norte-americanas e em algumas metrópoles européias. Os distritos "históricos" começavam a ser lentamente reocupados por alguns setores mais abastados das classes médias. Eles retornavam ao centro era busca das vantagens advindas das proximidades oferecidas pelos centros. Moradia, trabalho, lazer e consumo estavam disponíveis nos quarteirões vizinhos para aqueles que se dispusessem a morar no centro da cidade. Associava-se a isso o valor que se começava a agregar aos imóveis mais antigos, muitos deles considerados de interesse para preservação histórica. O retorno desses pioneiros urbanos (para usar a expressão de Smith, 1996) se dava concomitantemente à chegada de novos usos que agregavam ainda mais "valores culturais" às áreas centrais. Galerias de arte, ateliês de artistas novos ou em ascensão, restaurantes e cafés refinados iam surgindo, formando seu público e reafirmando a conquista do território central.

    Em 1963, esse processo recebeu o nome de gentrification, dado por Ruth Glass em sua obra Introduction to London: aspects of change (ver Bidou-Zachariasen, 2003). Em seguida, o termo foi utilizado na descrição de diversos outros processos semelhantes...

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