O discurso espacial como instrumento da producao capitalista do espaco: experiencias em Sao Paulo e Barcelona. - Vol. 40 Núm. 120, Mayo 2014 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 636155493

O discurso espacial como instrumento da producao capitalista do espaco: experiencias em Sao Paulo e Barcelona.

AutorValdoski, Fabiana
CargoArtículo en portugués

RESUMO | O discurso espacial tomou-se fundamental para a execução das políticas de espaço que buscam inseri-lo nos circuitos da acumulação através da metamorfose das morfologías de bairros populares e periféricos. Tais discursos incorporam novos elementos devido a sua necessidade permanente de reelaboração, pois os conflitos surgidos ao longo do avanço dessas políticas espaciais corroem argumentos de legitimidade, e estes são alçados à composição de álibis que reponham sua condição pretérita de coerência e coesão. Entre estes recentes álibis incorporados aos discursos espaciais, temos aqueles pautados em reivindicações como as de melhorias infraestruturais e do meio ambiente, transformando, contraditoriamente, a qualidade das matrizes discursivas dos movimentos sociais em instrumentos de uma prática espacial que promove a valorização de lugares em detrimento da apropriação. Isto resulta na produção de uma ideologia do espaço que escamoteia os mecanismos de segregação empreendidos pelas políticas de espaço.

PALAVRAS-CHAVE | geografia urbana, política urbana, segregação.

ABSTRACT | This paper aims to examine how spatial discourses have become key elements for the implementation of spatial policies that seek to insert space into the circuits of accumulation through the reshaping of the spatial morphology of outlying, low-income neighborhoods. Such discourses integrate new elements due to their need of endless reformulation, because the conflicts that emerge with the progression of such spatial policies erode the legitimacy of such arguments. The latter then integrate justifications that reinstate their previous coherence and cohesion. Among such recent justifications incorporated into spatial discourses are those that stem from social demands, such as infrastructural enhancement and environmental protection. In doing so, such discourses transform the discursive matrices of social movements and collective actions into instruments for spatial practices that promote, in some areas of the city, gentrification at the expense of appropriation.

KEY WORDS | urban geography, urban policy, segregation.

Introdução

Esa preocupación en el manejo de la impresión ajena ha sido la clave de su éxito a la hora de vender--literalmente y a lo largo y ancho del planeta--la imagen de una ciudad paradigma de todos los éxitos concebibles, pero de una ciudad que no existe, ni ha existido nunca, que sólo es esa imagen que de ella se vende, un mero decorado, una vitrina, un espejismo tras el que lo que se agitan son otras cosas muy distintas de las que las políticas de promoción y las campañas publicitarias muestran. (Delgado, 2010, p. 12)

Os conflitos no espaço urbano capitalista, decorrentes das diferentes estratégias daqueles que visam à reprodução da vida com acento no uso, e daqueles que o concebem enquanto negocio para a acumulação com a finalidade da troca, são uma regra em sua produção. Como consequência dos embates, as estratégias dos sujeitos envolvidos vão se transformando enquanto condição necessária da relação de poder que se pretende estabelecer sobre a produção daquele espaço. Estas mudanças internas e nas formas das estratégias vão sendo reveladas por meio das práticas socioespaciais empreendidas no lugar e este último, concomitantemente, traz à análise a justaposição de ações, bem como os níveis e dimensões da produção espacial. Nessa direção, este artigo pretende apontar algumas reflexões acerca dos conflitos urbanos surgidos no momento de implantação de políticas de espaço, destacando o papel das representações criadas para atenuar as contradições intrínsecas ao processo de produção capitalista. Assim, consideramos que as políticas de espaço em debate se alicerçam, fundamentalmente, em um elemento central--o discurso espacial--contido nas propostas de intervenção urbanística com o objetivo de criar a ilusão dos "consensos".

Partimos da ideia elaborada por Henri Lefebvre em sua obra, na qual compreende que o espaço ganha centralidade na reprodução da acumulação capitalista no século xx e segue aprofundando sua importância como mercadoria e instrumento político neste início do século xxi. Por tornar-se central, muitas são as estratégias empreendidas no sentido de impor uma determinada conformação a ele e de permitir a minimizaçáo das barreiras na obtenção de lucros e rendas. No corpo dessas estratégias, há as representações criadas para dar coerência e coesão às ações e que se compõem como uma linguagem, que na prática socioespacial aparece como um discurso. Os planos urbanísticos capitaneados em grande parte pelo Estado, como ações intraurbanas e que integram o corpo das estratégias com a finalidade de transformar o espaço em objeto produtivo, produzem um discurso específico, aquele espacial, legitimando intervenções.

Este processo de construção de um discurso espacial para legitimar ações que integrem o espaço urbano ao circuito produtivo, pôde ser observado a partir de cidades inseridas em diferentes contextos, como Barcelona e São Paulo. A primeira é exemplar em sua condição de produção de um discurso espacial, que produziu um pensamento único e do qual poucos autores apontaram criticamente sua elaboração e uso (Benach, 1992; Perez, 1992). Em um avassalador processo de transformação urbana, levado a cabo desde meados da década de 1980, Barcelona lança um modelo de crescimento baseado em grandes eventos internacionais e promove um urbanismo dito "participativo" e "inclusivo", comandado pelos partidos de esquerda na Catalunha (Espanha) e assentado na ideia de diminuir a pobreza urbana e redefinir a economia da cidade.

Neste período, poucas eram as vozes dissonantes que questionavam a imagem construída da cidade "pós-moderna" e exemplo para saída de crises originárias do processo de desindustrialização de Barcelona. Todavia, em meados da década de 1990, esta representação de modelo bem sucedido começa a ruir e, nos anos 2000, a contestação torna-se generalizada, seja no âmbito acadêmico, seja na sociedade civil. Mesmo abaladas as estruturas, persistiram e ainda persistem as políticas de espaço, principalmente em lugares e eixos cuja centralidade está na valorização. Porém, para tanto, o discurso espacial, presente e necessário ao processo de elaboração e execução destas políticas, vai adquirindo novos matizes para a legitimação diante da sociedade.

Por outro lado, na cidade de São Paulo, e em um contexto de país do capitalismo periférico, também se tecem políticas de espaço modelares, destacadamente nos lugares mais dinâmicos da integração do espaço ao circuito mercantil e financeiro e de grande evidência nos anos 2000. A passagem de uma metrópole industrial para a de serviços recoloca o papel do espaço, transformando-o em uma raridade do ponto de vista de seu potencial produtivo e, portanto, as qualidades da raridade surgem como justificativas para empreender determinadas políticas de espaço. Assim, muitas destas políticas são concebidas no plano da representação como soluções a problemas cruciais à metrópole, quando, de fato, se efetivam como equações para os negócios. Nesta reflexão, ao tratar de São Paulo, referimo-nos às raridades relativas às áreas de lazer e às ambientais, pois porções significativas do espaço urbano passam por transformações de usos e funções, como as margens do rio Tietê ao norte do município de São Paulo ou as margens das represas Guarapiranga e Billings, legitimadas principalmente pelo discurso espacial ligado ao meio ambiente, a partir do qual se propõe grandes parques lineares às custas de um número elevado de moradores desapropriados destes lugares.

O resultado destas ações estatais revela um profundo conflito entre aqueles que lutam por continuar nos lugares de reprodução de suas vidas e as práticas do Estado que vão inserindo-os aos circuitos do intercambio, reatualizando processos de segregação socioespacial. Nessa direção, perguntamos primeiramente como estas políticas de espaço adquiriram e ainda possuem a legitimidade e robustez exigidas para se realizarem, mesmo que alavanquem processos que segregam? Como elas conquistaram a legitimação perante a sociedade?

A hipótese central é que se concebe um discurso espacial calcado em elementos críticos do atual período da urbanização e que, em grande parte, estão expressos em reivindicações dos movimentos sociais e ações coletivas de grupos da sociedade civil. Estas reivindicações, historicamente exigidas pela sociedade, tais como as melhorias infraestruturais com a inserção de equipamentos nas periferias ou a emergência/urgência da preservação ambiental, contraditoriamente são incorporadas ao discurso por meio da transformação das mesmas em álibis que legitimam as políticas de espaço, já que repõem a coesão e coerência a partir da usurpação da forma da linguagem daqueles que lutam pelo espaço para o uso. Todavia, essas políticas de Fabiana Valdoski. Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Encontro da Associação de Pós-Graduação em Geografia (anpege) em 2011 (UFG--Goiânia) e é fruto da pesquisa de doutorado defendida em dezembro de 2012, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo--FAPESP.

espaço não promovem as possibilidades de apropriação do espaço, como apregoado por aqueles sujeitos da reivindicação, mas tendem a realizar a privatização deste com uma sutil representação do "consenso".

Muitas destas políticas de espaços postas como objeto da presente reflexão, originaram-se de demandas sociais diante da precariedade da vida como, por exemplo, melhorias da moradia e do bairro em Barcelona ou uma política de meio ambiente e lazer em São Paulo. No movimento de urbanização capitalista, o processo de espoliação e expropriação da maior parte da população produziu morfologías precárias, escassez de recursos, falta de infraestrutura, impossibilidade de acesso à moradia, problemas com poluição de mananciais, compondo o quadro de crise da cidade. O...

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