Diretrizes para a gestao metropolitana no Brasil. - Vol. 35 Núm. 104, Abril 2009 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 60443034

Diretrizes para a gestao metropolitana no Brasil.

AutorGuimar

RESUMO As Regiões Metropolitanas brasileiras carecem de arranjos institucionalizados para efetivar a formulação, implementação e controle de políticas públicas plurimunicipais, ou seja, políticas que devido às suas características estratégicas, como desenvolvimento urbano, transporte e meio ambiente, não têm como serem solucionadas nos limites do Município. Investigam-se aqui as possibilidades de criação do Município metropolitano, entendido como realidade urbanística específica e distinta do Município tradicional, e de divisão territorial dos Megamunicípios, os quais, devido a sua importância política e econômica, têm exercido um papel desagregador no âmbito metropolitano. Tais possibilidades devem ser entendidas como intervenções que, apesar de técnica e politicamente complexas e de difícil execução, pretendem contribuir para o equacionamento dos dois principais impedimentos à gestão metropolitana no Brasil: a percepção rígida e monolítica de autonomia municipal - percepção ainda muito difundida no país - e a assimetria, nas relações de poder, decorrente da existência de Megamunicípios em quase todas as Regiões Metropolitanas.

PALAVRAS-CHAVE: Regiões metropolitanas, políticas públicas, planejamento urbano, gestão de cidades.

ABSTRACT Brazilian Metropolitan Regions lack the institutionalized arrangements for the formulation, implementation and control of public policies involving multiple municipalities, particularly policies with strategic elements that cannot be resolved within municipal boundaries, such as urban development, transport and environment. This paper researches the possibilities for creating a metropolitan municipality, understood as a specific urban reality that is distinct from the traditional municipality and the spatial fragmentation of megamunicipalities which, given their political and economic importance, have exercised a disaggregating role in the metropolitan space. These possibilities are understood as interventions that, in spite of their political and technical complexities and their difficult implementation, can contribute to resolving two of the principal obstacles to Brazilian metropolitan management: a rigid and monolithic perception of municipal autonomy - a perception that is still widely promoted in the country - and asymmetry in power relations generated by the existence of megamunicipalities in almost all the Metropolitan Regions.

KEYWORDS: metropolitan regions, public policy, urban planning, city management.

Introdução

Um importante tema que tem sido cada vez mais discutido no cenário internacional, por acadêmicos, legisladores, planejadores urbanos e gestores públicos, é certamente o da gestão metropolitana. No Brasil, com o gradual arrefecimento da euforia municipalista que marcou fortemente o processo constituinte de 1987/88, e diante de uma maior percepção dos níveis de complexidade das escalas regional e metropolitana, tendo em vista, inclusive, o desenvolvimento de inúmeros processos sócio-ambientais, tem havido, nos últimos anos, um reconhecimento crescente da importância da questão metropolitana e da necessidade de enfrentá-la acadêmica, política e juridicamente.

A crise econômica e o processo de desconcentração industrial registrado a partir da década de 1980 tornaram as Regiões Metropolitanas brasileiras os loci mais notáveis da segregação espacial, exclusão social e miséria. Pode-se mesmo dizer que, em função de fenômenos como desemprego em massa, exclusão social crescente e violência urbana, a questão social no Brasil de hoje é, acima de tudo, uma questão metropolitana. As Regiões Metropolitanas concentram, de maneira paradoxal, a produção simultânea de desenvolvimento econômico e desigualdade social, riqueza e miséria, sofisticação tecnológica e degradação ambiental.

Segundo diversos autores (Grau, 1975, p. 26; Cintra, 1978, pp. 173-174; Azevedo e Mares Guia, 2000, p. 526; Gouvêa, 2005, p. 244), boa parte dos problemas metropolitanos no Brasil se deve à inexistência de algum patamar de organização de governo que possa viabilizar, de maneira planejada, produção e distribuição de bens e serviços públicos no âmbito de todo o território metropolizado. Não parece possível, por exemplo, conceber um plano de desenvolvimento de base regional sem um nível mínimo de institucionalização de poder que permita introduzir de forma efetiva políticas de corte plurimunicipal, ou seja, aquelas políticas públicas que, em decorrência de suas características estratégicas e abrangentes, não podem ser convenientemente equacionadas dentro dos limites municipais. Nesse sentido, Abrucio e Soares (2001, p. 111) alertam que "cada vez mais se sabe que a segurança pública, a pobreza urbana, o saneamento básico e a habitação, para ficar apenas nas mais evidentes, são questões cuja resolução depende em algum grau da atuação da União, com funções e tarefas compartilhadas com os outros níveis de governo", e que "a operacionalização disso vai depender de um novo arranjo federativo para a problemática metropolitana".

As experiências de gestão metropolitana no Brasil são uma comprovação da dificuldade histórica em se definir arranjos institucionais que tornem efetivos processos de formulação, implementação e controle de políticas públicas plurimunicipais. Os resultados muito limitados dessas experiências indicam a necessidade de se estabelecer um ordenamento jurídico-institucional específico para Municípios inseridos em Regiões Metropolitanas. A denominação "Município" tem abrigado realidades totalmente distintas, em termos de população, densidade populacional, taxa de urbanização, superfície, cultura, história e desenvolvimento econômico e social. A vinculação de espacialidades tão diferentes a um único ordenamento legal tem afetado perversamente cidades e cidadãos. As chamadas cidades-dormitório são bons exemplos de territórios prejudicados pela inexistência de processos integrados de planejamento e de gestão. Assim, quaisquer arranjos institucionais para Regiões Metropolitanas, além de promover o estabelecimento de instrumental adequado para a gestão de políticas públicas plurimunicipais, necessitam também proporcionar políticas compensatórias voltadas para Municípios prejudicados pelo processo de metropolização.

O município brasileiro

Segundo estimativas recentes, o Brasil é a quinta nação do mundo em população e apresenta, quando comparado aos demais países mais populosos do Planeta, taxas de crescimento demográfico relativamene elevadas. O que torna o país singular diante das nações com maior número de habitantes é que o crescimento demográfico brasileiro se verifica basicamente nas áreas urbanas. A grande maioria da população brasileira reside atualmente nas cidades e, segundo dados da ONU, o país apresenta, entre as nações mais populosas do mundo, um dos maiores índices de urbanização. Essa realidade vem exigindo que parcelas cada vez maiores de recursos governamentais sejam investidas em obras infra-estruturais em áreas como habitação, transporte, saneamento, saúde e educação. Na medida em que esses recursos têm sido, de um modo geral, insuficientes, a qualidade de vida tem se deteriorado na maioria dos grandes centros urbanos do país.

Como pode se verificar não apenas no Brasil, mas em grande parte da América Latina, os processos de crescimento populacional e de urbanização não têm ocorrido de forma homogênea. Registra-se uma grande e crescente disparidade entre os perfis dos atuais 5.564 Municípios brasileiros. De um lado, situa-se o Município típico, que é pequeno em termos populacionais e de economia basicamente rural. No outro extremo, constata-se a existência de duas dezenas de Regiões Metropolitanas e de Aglomerações Urbanas com mais de um milhão de indivíduos, sendo que uma delas - São Paulo - fechou o século XX com quase 18 milhões de habitantes.

Os Municípios brasileiros apresentam uma multiplicidade de características e de especificidades. Essa diversidade tem apontado para a necessidade de uma revisão do conceito tradicional de Município e de suas competências ou, talvez mais do que isso, de se estabelecer uma tipologia de Municípios mais ampla. No entanto, a Constituição de 1988, ao fixar as atribuições dos Municípios, não os distinguiu segundo quaisquer variáveis, ou seja, as competências administrativas legislativas e tributárias são exatamente as mesmas, independentemente, portanto, do perfil demográfico, da dimensão, da localização geográfica e dos níveis de desenvolvimento econômico e social de cada municipalidade.

A princípio, o ideário do "Poder Local" se ajusta muito bem à maioria absoluta das municipalidades do país 3/4 91% contam com menos de 50 mil habitantes, incluindo seus distritos-sede, demais distritos e zona rural. não parece adequado, entretanto, aplicar o princípio municipalista a unidades como São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, Rio de Janeiro, com quase 6 milhões, ou Belo Horizonte, com 2,2 milhões de residentes. Na verdade, o que se constata em cada Megamunicípio são vários "locais", com características, demandas e interesses muito distintos. Como assinala Peter Spink (2000, p. 68), "ninguém mora numa cidade grande; ao contrário, as pessoas constróem suas possibilidades num conjunto de espaços, multas vezes não interligados, que fazem parte de seu cotidiano e que formam o horizonte do 'lugar'". O Município de São Paulo, o mais populoso do país, detém um contingente humano superior a da maioria dos Estados da federação e de um grande número de países latino-americanos. Nesse sentido, pode-se dizer que municipalidades como São Paulo 3/4 e mesmo Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Salvador 3/4 em função de suas enormes díversidades internas, são, por si so, verdadeiras "áreas metropolitanas". Além disso, os Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro possuem, cada um deles, uma população maior que a de qualquer RM brasileira. Constata-se, também, que o PIB (Produto Interno Bruto) municipal de São Paulo é mais elevado que os PIBs de...

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