Globalizacao e desafios urbanos: politicas publicas e desigualdade social nas cidades brasileiras. - Vol. 37 Núm. 112, Septiembre 2011 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 635096441

Globalizacao e desafios urbanos: politicas publicas e desigualdade social nas cidades brasileiras.

AutorAfeche Pimenta, Margareth de C.
CargoTexto en portugués

RESUMEN | Os diversos ciclos de crescimento econômico evitaram uma redistribuição mais equitativa da riqueza, agravando as desigualdades sociais e empobrecendo as populações urbanas brasileiras. Essa herança histórica agrava-se, no presente, pela escamoteaçáo do papel do Estado, substituindo o caráter universal dos direitos sociais -- destacando-se os serviços essenciais como educação e saúde -- por procedimentos ocasionais e corporativos respondendo, de forma subalterna, às exigências do novo período de acumulação mundial. Somando-se à precariedade histórica, o abandono ou a privatização dos serviços públicos acompanha o novo ciclo de desemprego, explícito ou dissimulado, permitindo que o Estado contribua para o reforço da pobreza e da exclusão social. A paisagem retratará a polarizaçáo das classes sociais fazendo conviver locais de representação da sofisticaçáo supérflua com a banalizaçáo da reprodução da vida. A metrópole transforma-se em seu contrário: de veículo de penetração de inovações e de crescimento cultural transmuta-se em cenário do medo e do antagonismo social.

PALABRAS CLAVE | Desigualdade social, pobreza, política urbana.

ABSTRACT | Several cycles of economic growth avoided a fairer distribution of wealth, exacerbating social inequalities and increasing poverty of urban populations in Brazil. This heritage is worsened in the present by the diminishing role of the state, replacing the universal character of social rights--most importantly essential services like education and health--for casual and corporate procedures that respond, in a subordinate way, to the demands of the new period of global accumulation. Adding to the historic instability, the abandonment or privatization of public services is accompanied by a new cycle of unemployment, explicit or hidden, that allows the state to contribute to the strengthening of poverty and social exclusion. This text portrays the polarization of social classes by the cohabitation of places of superfluous sophistication representations with the trivialization of life reproduction. The metropolis turns into its opposite: from a position of vehicle for innovations and cultural growth it transmutes into a scenery of fear and social antagonism.

KEY WORDS | Social inequality, poverty, urban policy.

Introdução

Os países da América Latina, de diferentes maneiras, conheceram diversos ciclos de crescimento econômico sem, no entanto, amenizarem as precárias condições de vida e a falta de acessibilidade aos serviços elementares, indispensáveis ao desenvolvimento social. O Brasil, mesmo figurando entre as maiores nações em termos de geraçáo de riqueza desde os anos 1980, continua a revelar elevados índices de desigualdade social, sem apresentar qualquer delineamento de políticas que possa reverter os rumos até então adotados, no sentido da construção de uma sociedade mais equitativa.

Se nos períodos de crescimento econômico fez-se presente somente uma vaga promessa de repartição posterior dos frutos da riqueza (1), a crise subseqüente veio agravar os sérios problemas sociais concernentes à falta das condiçÓes mínimas para a reprodução da vida. Paradoxalmente, são Governos considerados democráticos que contribuem, a partir da inserção submissa ao capital financeiro internacional, para o aprofundamento da sociedade desigual. A crise, trazendo consigo a fragilização dos vínculos empregatícios e o desemprego, veio se somar à herança de um mercado de trabalho amplamente baseado no setor informal, onde grandes parcelas da população já se encontravam excluídas das poucas proteções sociais existentes. Os governos que se sucederam após os anos 1980, nada mais fizeram que retirar dos trabalhadores os já frágeis direitos sociais que haviam sido outorgidos no governo do Presidente Gitúlio Vargas a partir dos anos 1930 (2). Período em que o Estado intervém na regulação entre as relações capital-trabalho por ocasião da constituição do mercado nacional unificado, no sentido de priorizar os interesses do capital industrial (Oliveira, 1982). Nos diferentes ciclos de crescimento econômico não houve correspondência de políticas de cunho social, ficando os sucessivos Governos restritos à adoção de medidas de regulação dos mercados de trabalho e de consumo (Bolaffi, 1982).

À instabilidade empregatícia dos anos 1990 soma-se a falta de políticas efetivas de redistribuição da renda e de criação de oportunidades de superação das desigualdades sociais. Medidas assistencialistas, de caráter puramente imediato, não podem ser consideradas substitutivas das políticas sociais, as únicas capazes de gerar condições para a superação das desigualdades sociais, pressuposto fundamental para a constituição de uma sociedade de direitos. São os serviços públicos elementares (educação e saúde, principalmente), concebidos como direitos universais, que podem criar as condiçÓes de ruptura desse processo histórico de ampliação das desigualdades sociais. Relações clientelistas tendem ase retroalimentar pela conivência entre os interesses em jogo e, por isso, necessitam que as poucas mudanças introduzidas sejam sempre no sentido da permanência das dependências e dos favores. Para que essas relações assimétricas se estabeleçam, faz-se necessário manter a estrutura da pirâmide social o mais imutável possível, perpetuando a diferenciação social. A sociedade dual passa a ser uma característica constante (3), contrapondo as diferenças a partir da extremada concentração da renda, o que vem fragilizar a possibilidade de construção de uma sociedade de direitos. A paisagem fica, então, marcada pela convivência explícita dos signos ostentatórios da riqueza (Veblen, 1970) com a rudeza das dificuldades de reprodução da vida cotidiana.

Assim, esse início de século XXI coloca para as metrópoles e para as grandes cidades brasileiras -- aquelas que são o destino privilegiado dos destituídos que procuram suas estratégias de sobrevivência ao lado da riqueza concentrada - o desafio de superar as enormes desigualdades sociais que se desenham nos cenários urbanos. A fragmentaçáo espacial, a paisagem desigual e a violência urbana demonstram que a sociedade se bipolariza e, com isso, as possibilidades de convívio se amesquinham.

Ciclos de crescimento e desigualdades sociais no Brasil

Ao longo da história de seu processo de industrialização desde meados do século XIX, o Brasil construiu um parque fabril dinâmico e diversificado. Realizou este percurso a partir da industrialização "em ordem inversa" - da produção de bens de consumo não-duráveis até bens de produção (Rangel, 1982) - utilizando-se do processo de substituição gradativa de importações (Tavares, 1981, 1985). Assim, conseguiu mudar sua posição de fornecedor mundial de produtos primários a exportador de manufaturados graças, sobretudo, à política de incentivos governamentais instituída após a década de 1970. Os constantes ciclos renovadores da economia, baseados na superação dos atrasos relativos e no uso das potencialidades em termos de recursos e mercado interno, fizeram o Brasil crescer a taxas médias superiores a 7% ao ano após a Segunda Guerra Mundial, alcançando índices invejáveis no decorrer dos anos 70 (em torno de 10% a 11% ao ano) (Batista Júnior, 2000). Os sucessivos planos econômicos estabelecidos durante os anos 1980 - a "década perdida" - não conseguiram reverter a crise fiscal do Estado e sua incapacidade de saldar os compromissos internacionais assumidos. Baseados em fluxos voláteis ou de curto prazo, significavam agora restrições consideráveis aos gastos governamentais em setores onde a dívida social vinha historicamente agravandose, transformando o Brasil num dos países mais desiguais do mundo.

A hegemonia americana - fortalecida após a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética - impõe modelos generalizantes aos países latino-americanos, baseados na alta dos juros e valorização cambial - o que torna os produtos menos competitivos internacionalmente -, na deflação e no desemprego (Tavares, 1999). O Brasil foi um dos últimos países a se adaptar à nova lógica da globalização financeira, adotando a política de liberalização comercial e financeira no sentido de atrair recursos externos. Cativo de compromissos financeiros internacionais, o Estado brasileiro permitiu um processo de desnacionalização e desorganização do seu parque industrial, além de um rebaixamento das condições de competitividade internacional dos produtos nacionais. As privatizações realizadas em nome do saneamento das finanças públicas restringiram-se à transferência patrimonial, sem aumento substantivo do parque industrial já instalado (Tavares, 2000). A abertura indiscriminada do mercado nacional - exercida pelo imperativo dos princípios neoliberais e pelo discurso globalizante - levou à rápida reversão de uma história de crescimento contínuo e promissor, provocando processos de crise e de desnacionalização de empresas tradicionais devido à ação combinada entre necessidade de modernização e insolvência financeira (Castro, 2000).

A globalização perversa, baseada na democracia de mercado e no neoliberalismo, assim como na transnacionalização do território - acomodando tanto a escala técnica como política do território, ao novo ciclo de acumulação mundial - define, a partir da mediação do Estado Nacional, uma política econômica baseada no ajustamento aos critérios produtivos e creditícios das grandes corporações internacionais (Santos, 1994). A solidariedade das mutações no plano mundial é, assim, "em grande parte, administrada" (Santos, 1991, p. 11). O Estado nacional, representado sobretudo pelos governos eleitos a partir do início dos anos 1990, comportou-se como um elo neste processo de adaptação da economia nacional, permitindo ou mesmo estimulando a desnacionalização do parque fabril, desviando recursos da pesquisa científica e tecnológica e condenando o Brasil à exportação de commodities (Castro, 2000b). Permite, assim, um aumento da defasagem tecnológica e...

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