O imobiliario como frente de expansao da metropole: contradicoes na producao do espaco do Porto das Dunas. - Vol. 41 Núm. 124, Septiembre 2015 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 636921189

O imobiliario como frente de expansao da metropole: contradicoes na producao do espaco do Porto das Dunas.

AutorRufino, Maria Beatriz
CargoTexto en portugués - Ensayo

Introduçáo

Tradicionalmente pensada como espaço de uma economia deprimida, Fortaleza, capital do Ceará, teve sua urbanização intensificada a partir da década de 1970 pelo incremento da industrialização, como parte do projeto político de integração e modernização do Nordeste no sentido de reversão do quadro de grandes desigualdades regionais. No plano da organização territorial, esse projeto ao mesmo tempo em que reforçou a urbanização desta região, promovendo o crescimento populacional acelerado dos grandes centros urbanos de Pernambuco, Bahia e Ceará, suportou um processo de grande concentração econômica, acirrando as desigualdades preexistentes.

A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) foi institucionalizada em 1973. Formada originalmente pelos municípios de Fortaleza, Caucaia, Maranguape, Pacatuba e Aquiraz, a RMF teve sua composição político-administrativa alterada tanto pela fragmentação dos seus municípios originais, como pela inserção de novos municípios, alterações sempre legitimadas como estratégia espacial dos projetos de desenvolvimento econômico em curso.

Na década de 1990, os contornos de miséria e pobreza característicos dessa metrópole, são encobertos pela promoção de uma imagem de cidade moderna e com grande vocação para o turismo. Produto de um projeto político de modernização da metrópole, a promoção desta imagem era a estratégia fundamental para atração de investimentos para indústria e turismo, vistos como motores para o desenvolvimento e inserção do estado do Ceará na economia mundial.

Como parte deste novo cenário, o Porto das Dunas--loteamento de praia no município de Aquiraz na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), inicialmente ocupado por residências de veraneio - projeta-se como espaço de grande apelo turístico, principalmente a partir da construção do parque aquático "Beach Park" que se consolida como urna das mais importantes âncoras da promoção turística do estado.

A apropriação desse espaço para o veraneio e sua consagração como lugar turístico, tende a encobrir um conjunto de interesses e articulações entre agentes privados e públicos, determinantes na construção da "vocação natural" do Porto das Dunas para o turismo. Com o alcance desta condição, o Porto das Dunas presenciará forte valorização imobiliária consolidando-se como lócus privilegiado de reprodução do capital a partir de atividades imobiliárias.

No contexto de forte expansão da produção imobiliária nacional, essa área se destacou no ano de 2010 por concentrar o maior volume de investimentos imobiliários em toda a RMF a partir da implantação de grandes condomínios de praia construídos por empresas imobiliárias nacionais e locais, articuladas em muitos casos ao capital estrangeiro. A intensa concentração de investimentos imobiliários num curto período de tempo reforça a produção imobiliária como elemento central na compreensão produção do espaço do Porto das Dunas, determinando uma nova frente ao processo de metropolização.

A relevância desse processo na compreensão das transformações da metrópole nos motivou a desenvolver essa pesquisa tendo como base os resultados de minha tese de doutorado (Rufino, 2012), na qual investiguei o processo de reestruturação imobiliária e as transformações urbanas na RMF. Na tese privilegiamos autores que, a partir da crítica à economia política, desenvolveram importantes avanços na discussão da produção imobiliária, por elaborarem conceitos, iluminarem questões relevantes desta atividade e permitirem articulações da análise desta atividade com a produção do espaço (Topalov, 1974; Jaramillo, 1982; Lefebvre, 1999a, 1999b, 2008; Gottdiener, 1997).

Considerando as discussões teóricas desenvolvidas na tese, procuramos aqui aprofundar a compreensão sobre as transformações no Porto das Dunas, e seus nexos com a metropolização, a partir da investigação das fontes bibliográficas e do levantamento de dados sobre as dinâmicas imobiliárias. Com esses materiais procuramos revelar os diferentes interesses envolvidos na produção desse espaço e as estratégias contemporâneas utilizadas na produção imobiliária, procurando identificar traços específicos do Porto das Dunas e sua articulação com processos gerais.

Nossa hipótese é de que o protagonismo do imobiliário na produção desse espaço lhe confere feições particulares. Exacerbando a instrumentalização do espaço pelo capital, as transformações na produção do espaço no Porto das Dunas ao mesmo tempo em que valorizam esse espaço e o integram a lógica metropolitana, tendem a negar o urbano como espaço de vivência social. Nele, a concentração fragmentada de investimentos privados em luxuosos empreendimentos imobiliários contrasta com a inexistência de espaços públicos de uso comum.

O artigo foi organizado em três partes. Na primeira, procuramos reunir importantes elementos referentes à constituição do loteamento: seus agentes, interesses e estratégias específicas para a sua diferenciação. A compreensão desses elementos nos permite explicar o alcance da condição privilegiada na concentração de investimentos imobiliários de grandes empresas a partir da primeira década dos anos 2000. Na segunda parte exploramos as estratégias particulares dos principais agentes imobiliários, representadas por sofisticados mecanismos de valorização imobiliária utilizados na produção do espaço a partir desse momento. Por fim procuramos discutir as transformações do espaço resultantes dessa lógica, expondo as contradições e efeitos da instrumentalização do espaço.

De loteamento de praia à atração turística nacional

O Porto das Dunas surge em 1979 como um loteamento de praia no município de Aquiraz, situado a 25 km de Fortaleza. Concebido como espaço de veraneio para as famílias mais abastadas da capital, o Porto das Dunas sempre esteve subordinado ao desenvolvimento de Fortaleza - principal centro econômico da metrópole e do estado, responsável por abrigar 68% dos mais de 3,5 milhões habitantes da região metropolitana (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [ibge], Censo 2010). Esta subordinação, determinada pelo consumo deste espaço, se reforça pelas conexões viárias privilegiadas a Fortaleza, em detrimento a uma articulação precária com a sede do próprio município de Aquiraz. Esse loteamento encontra-se diretamente ligado a Fortaleza pela ce-025, o que lhe garante a conexão direta com os eixos de expansão da população de mais alta renda desta metrópole (Figura 1). Quando se analisa o processo de desenvolvimento do loteamento em sua totalidade, são observadas simultaneamente estratégias primitivas e sofisticadas, abrangendo, por exemplo, a expropriação da terra dos pescadores locais e a apropriação do instrumental de marketing na produção e valorização loteamento. Essas estratégias são compreendidas através da investigação da ação dos agentes diretamente envolvidos em sua produção e do contexto econômico em que o mesmo é concebido.

[FIGURA 1 OMITIR]

O loteamento Porto das Dunas foi desenvolvido pela Imobiliária José Gentil s/a, pertencente à família Gentil que tradicionalmente atuou em Fortaleza nos ramos comercial, bancário e imobiliário. De acordo com Moreira (2004), a Imobiliária Gentil teve uma papel determinante na rápida expansão urbana evidenciada em Fortaleza a partir de finais dos anos 1960. Tendo sido responsável pelo desenvolvimento de um grande número de loteamentos periféricos, sobretudo voltados para população de menor renda, a ação dessa imobiliária foi determinante no aguçamento do quadro de diferenciação socioespacial que se evidenciará em Fortaleza a partir desse momento.

Apropriando-se em parte desta diferenciação socioespacial, o interesse desse agente na implantação de loteamentos fora dos limites municipais de Fortaleza só pode ser compreendido como parte de um contexto de crescimento urbano acelerado e de ampliação da acumulação de capital nesse espaço, decorrentes de substanciais mudanças na base econômica do estado.

Como mostra Teixeira (1999), a década de 1970 no Estado do Ceará é marcada pela transição de "uma economia agrícola para uma economia urbanizada, com presença acentuada da indústria no processo de geração da renda interna" (p. 13). Neste contexto de crescimento econômico, a industrialização, principalmente concentrada em Fortaleza, reforça um rápido processo de urbanização e a emergência de uma classe média, até então, incipiente

Apropriando-se dessa dinâmica, o mercado imobiliário passa a explorar o potencial da orla metropolitana para o desenvolvimento de loteamentos de veraneio, difundindo o ideal da "casa de praia" para famílias abastadas e para esta classe média emergente. Neste momento, os agentes de maior força no mercado imobiliário local eram justamente aqueles que concentravam sua ação no desenvolvimento de loteamentos.

O envolvimento na política local e a força econômica, em parte determinada pela ação em diferentes setores econômicos, conferiu a família Gentil enormes ganhos, provenientes da transformação de áreas rurais em loteamentos urbanos. João Gentil, diretor da imobiliária Gentil, nomeado Secretário de Obras Públicas Municipais pelo prefeito Acrísio Moreira da Rocha em 1955, mantém desde esse período estreitas relações com o poder público. Para Moreira (2004) "a presença de um representante do capital imobiliário no aparelho do Estado, como executor de obras públicas, lugar estratégico no desenho institucional e para a consecução da política de expansão física da cidade representou um divisor na trajetória da Imobiliária de José Gentil no campo imobiliário local ..." (p. 57).

Representada por mecanismos de expropriação e valorização imobiliária, as estratégias empreendidas pelo poder econômico e político destes agentes são responsáveis pela obtenção de enormes ganhos a partir da terra e de sua propriedade, reforçando a "urbanização", e mais tarde a "metropolização", como importante processo de reprodução do capital.

A partir de meados da década de 1970, a família Gentil passa a adquirir vários...

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