Limites da Gestao Metropolitana e Impasses a Governanca Cooperada Intermunicipal no Brasil. - Vol. 40 Núm. 121, Septiembre 2014 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 636388409

Limites da Gestao Metropolitana e Impasses a Governanca Cooperada Intermunicipal no Brasil.

AutorLacerda, Norma
CargoArtículo en portugués

RESUMO | O pacto federativo brasileiro e a forma como vêm se estabelecendo as articulações entre os atores políticos--o Estado, o mercado e a sociedade civil--têm representado limites à constituição de sistemas de gestão metropolitana e gerado impasses à cooperação intermunicipal, acarretando conflitos de governança. Esses limites e conflitos tiveram, como desdobramentos, o desmonte das estruturas de planejamento metropolitano, o revigoramento do planejamento municipal e a fragmentação do espaço metropolitano com implicações nos estudos sobre a metrópole. Para debater essas questões, evidenciam-se: as debilidades do pacto federativo, responsáveis pela fragilização da gestão e do planejamento metropolitanos; o alargamento do sistema de atores políticos e econômicos, no campo da governança, acarretando restrições à cooperação entre os municípios metropolitanos; e as interfaces entre os estudos urbanos e regionais e a mencionada problemática.

PALAVRAS-CHAVES | metropolização, gestão urbana, planejamento regional.

ABSTRACT | The Brazilian federation and the way in which forms of liaising have been established between political actors--the state, market and civil society--have represented limits to the forming of systems for metropolitan management, and have generated barriers to inter-municipal cooperation. This has led to conflicts of governance. Such limits and conflicts have unfolded as a result of the dismantling of the structures of metropolitan planning, the re-vitalization of municipal planning, and the fragmentation of metropolitan space, with concurrent implications for research on the metropolis. In order to discuss these issues, evidence will be presented regarding the weakening of the Brazilian federation, which is responsible for the dismantling of metropolitan management and planning; the expansion of the system of political and economic actors, in the field of governance, which has led to restrictions on cooperation between metropolitan municipalities; and the interfaces between urban and regional studies in relation to the aforementioned problems.

KEY WORDS | metropolization, urban management, regional planning.

Apresentação

O trabalho presente objetiva refletir sobre os atuais padrões de gestão e governança metropolitana e suas implicações nos processos de desenvolvimento e governabilidade das metrópoles brasileiras. Pretende-se avaliar os desafios e limites relativos à constituição de sistemas de gestão cooperada intermunicipal, considerando os conflitos de governança, oriundos do pacto federativo brasileiro e da forma como se estabelecem as articulações entre os atores políticos--o Estado, o mercado e a sociedade civil. Essas articulações tendem a favorecer modos de governança em que predominam os interesses hegemônicos. De fato, apesar dos avanços decorrentes dos instrumentos de regulação criados pelo Governo Federal, a exemplo da Lei de Parceria Público-Privada (2004) e da Lei dos Consórcios (2005), ainda permanece um enorme vácuo no sistema de poder sobre os territórios metropolitanos.

Esse vácuo tem sido revelado pela recente literatura sobre a problemática da governança metropolitana no Brasil (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2011; Relatório Observatório das Metrópoles, 2009; Garson, 2009). Ademais, tal literatura aponta que essa questão não se resolve por meio de leis estaduais ou federais, que estabeleçam sistemas de planejamento metropolitanos verticalizados. As soluções delineadas oscilam entre: a defesa de um novo modelo federativo--que estabeleça mecanismos de cooperação vertical entre os entes federativos (União, Estados e Municípios) e articulações horizontais entre os municípios metropolitanos; e a defesa de arranjos baseados nas iniciativas voluntárias intermunicipais, à conta do receio da perda da autonomia adquirida pelos municípios metropolitanos, desde a Constituição de 1988. Daí surgiu uma das hipóteses norteadoras deste trabalho: a governança metropolitana é muito mais uma questão política do que uma questão de modelo de gestão. Dito de outra forma: reformas institucionais, visando a transformar a organização do sistema de atores, com o intuito de estabelecer ou reforçar o poder metropolitano, podem favorecer a governança metropolitana. Mas, se este sistema político é fortemente concentrado ou fortemente disperso, torna-se um elemento desfavorável à governança.

Acresce que, as mudanças advindas da inserção do Brasil na economia globalizada, somadas àquelas oriundas do processo de descentralização político-administrativa e do chamado novo "desenvolvimentismo" (1) do País--inaugurado na década passada--vêm provocando não apenas diversos arranjos de governança metropolitana, mas também, configurando outra ordem espacial metropolitana. Daí a segunda hipótese: na medida em que as estruturas de planejamento metropolitano--implantadas na década de 1970--se foram desmontando, o planejamento municipal foi sendo reforçado, ao tempo em que o espaço metropolitano e os estudos sobre a metrópole

se foram fragmentando, ora privilegiando análises sobre porções desse espaço, ora abordando problemáticas setoriais. Tal hipótese, em suas linhas centrais, aponía para a averiguação da existencia ou nao de um nexo entre as mudanças ocorridas na açáo do Estado em termos de suas políticas globais e setoriais--com fortes implicações na estruturação do espaço metropolitano--e a produção científica.

Para alcançar o objetivo delineado e as hipóteses aventadas, o texto foi dividido em três partes. Na primeira, analisa-se a problemática da gestão das metrópoles brasileiras, evidenciando as debilidades do pacto federativo, responsáveis, em grande medida, pela sua fragilização político-administrativa e, como decorrência, pelo enfraquecimento do seu planejamento territorial. Na segunda parte, evidenciase a extensão do sistema de atores políticos e econômicos no campo da governança metropolitana, acarretando restrições à cooperação entre os municípios metropolitanos. Na terceira, enfatizam-se as interfaces entre a academia, mais particularmente entre os estudos urbanos e regionais, e a problemática metropolitana, no que concerne à gestão e à governança metropolitana.

Problemática da gestão metropolitana

Em termos de gestão das metrópoles no Brasil fala-se, insistentemente, de um vácuo. Essa denúncia, porém, às vezes soa como uma espécie de saudosismo, em relação aos velhos tempos do regime militar, quando as metrópoles--oficializadas por Decreto-Lei de 1973--passaram a contar com instituições responsáveis pelo governo metropolitano. E como se fossem esquecidas as mazelas decorrentes do próprio modelo político-administrativo centralizador da gestão das metrópoles. Com efeito, devido a ele, foram alijados muitos municípios metropolitanos não alinhados politicamente ao mencionado regime, muitas ações perderam eficácia, e parte dos recursos financeiros foi irresponsavelmente desperdiçada. Esse padrão de gestão não apenas "fazia da região metropolitana uma criatura sob controle dos governos estaduais" (Rolnik, 2011, p. 1), mas, sobretudo, do Governo Federal.

A partir de 1988, passou-se a vivenciar um paradoxo. Por um lado, a Carta Magna conferiu aos Municípios brasileiros o status de entes federativos, o que lhes assegurou maior autonomia. Por outro, estabeleceu como uma das incumbências dos Estados, a definição das regiões metropolitanas. É evidente que, nesse contexto, qualquer iniciativa estadual de institucionalizar processos de gestão metropolitana --em que o Estado tenha hegemonia- esbarrará na resistência dos municípios, que não admitirão perder parcela da sua autonomia.

Frente a esse paradoxo assiste-se, hoje, a uma situação, no mínimo, bizarra. Um estudo elaborado por Ribeiro, Tavares da Silva e Martins Rodrigues (2011) evidenciou que, no Brasil, existem 15 espaços metropolitanos: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza, Campinas, Manaus, Vitória, Goiânia, Belém e Florianópolis. Para tanto, foram levados em conta os seguintes aspectos: (i) tamanho e concentração (volume populacional, número de agências bancárias, volume total de operações bancárias/financeiras e massa de rendimentos); (ii) capacidade de centralidade (volume de serviços raros em nível nacional, a exemplo do movimento aeroportuário de passageiros); (iii) grau de inserção na economia nacional (número de empregos formais em atividades de ponta, como proxy da capacidade de inovação e incorporação de tecnologia); (iv) poder de direção (número de sedes de empresas classificadas entre as 500 maiores do país); e (v) gestão pública (capitais estaduais e capital federal).

Esses espaços metropolitanos, em 2010, abrigavam 36,30% da população brasileira (190.732.694 hab.), centralizavam 62% da capacidade tecnológica do País (2) (Ribeiro, Tavares da Silva & Martins Rodrigues, 2011) e concentravam 55% do valor de transformação industrial das empresas exportadoras. São esses os espaços considerados no presente trabalho, quando da análise dos atuais sistemas de gestão metropolitana no Brasil.

Outro estudo, recentemente desenvolvido pelo IPEA (2011), constata que o Brasil conta com 37 "regiões metropolitanas" definidas por leis estaduais, e três regiões integradas de desenvolvimento econômico (Rides)3, delimitadas por lei federal, cabendo à União elaborar e executar, para essas regiões, planos de desenvolvimento econômico e social e de ordenação do território. Esse trabalho realça que muitas das 37 "regiões metropolitanas" não guardam relação com as características de um processo de formação de uma metrópole, não refletem políticas ou estratégias de desenvolvimento territorial e não se atrelam à gestão das funções públicas de interesse comum, isto é, não foram acompanhadas pela criação de sistemas de gestão metropolitana.

Comparando-se o marco jurídico-institucional da gestão metropolitana em 26 Estados, o mencionado estudo revela que apenas 14 metrópoles...

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