O padrao de mobilidade de Sao Paulo e o pressuposto de desigualdade. - Vol. 38 Núm. 113, Enero 2012 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 635197781

O padrao de mobilidade de Sao Paulo e o pressuposto de desigualdade.

AutorZandonade, Patricia
CargoTexto en portugués

Os fatores determinantcs dos problemas de mobilidade cotidiana nas metrópoles brasileiras estáo associados ao seu padrão desigual de urbanização. Tomado como referência para esta discussão, São Paulo é um caso de extrema representatividade para esta problemática, onde as dificuldades de mobilidade afetam seriamente a populaçáo de menor renda. Mais recentemente o problema se alastra e crcsccm as pressões pela melhoria das cõndiçóes de transporte. Neste contexto, o debate sobre melhoria dos sistemas de transporte colctivo ¿ necessário, mas náo suficiente. A expectativa de utilização do automóvel particular é generalizada, porém não existem condições de viabilizar a mobilidade cotidiana com base nesse modal. A ampliaçáo do transporte sobre trilhos é lenta e não há possibilidade de mudança substantiva em curto prazo. Este caótico modelo sustenta-se no pressuposto da desigualdade social, quc resulta hoje numa crescente desigualdade ambicntal urbana. A melhoria das condiçóes de mobilidade para todos envolve o questionamento desse pressuposto.

PALABRAS CLAVE | desigualdade social, modelos de transporte, transporte urbano.

The inequality pattern of urbanization is a crucial factor determining problems of daily mobility in metropolitan areas. Sao Paulo is a representative case study since the problems of mobility long since are deeply affecting the low income population. More recently the problem is gaining scale and pressure for improved transport conditions are growing. In this context, discussing measures to improve public transport systems is necessary but not sufficient. The dream of car ownership and use is widespread, but this modal shift has no conditions to enable daily mobility. The expansion of rail transportation system is slow and in this context there is no possibility of substantive change in the short term. The current chaotic mobility model is structured by the social inequality, resulting nowadays in a growing urban environmental inequality. Mobility improvement for everyone requires deconstruction of the inequality pattern.

KEY WORDS | social inequalities, transportation models, urban transportation.

Introdução

Os conflitos de mobilidade das metrópoles brasileiras têm como pano de fundo as questões relacionadas ao uso do espaço público. Para o caso de São Paulo, estes conflitos se mostram mais acentuados, onde seu padrão de urbanização se traduz num padrão radicalmente desigual de mobilidade e acessibilidade urbana.

Na discussão sobre mobilidade, as abordagens ambientais predominantes se articulam em torno do gasto de energia fóssil e sobre a degradação ambiental que o atual modelo de transporte provoca, que se reflete em um aparelho urbano dispendioso, em tempo e recursos. As discussões mais recorrentes abordam os impactos relacionados com ã poluição do ar, falta de segurança e adequação dos espaços públicos, poluição sonora, poluição dos solos e das águas com a sujeira das ruas arrastada pelas chuvas.

Porém, as situações críticas de congestionamentos de tráfego e de dificuldades dos deslocamentos na Região Metropolitana de São Paulo têm acontecido em momentos em que uma parcela relativamente pequena dos automóveis do município está em circulação. O tráfego de veículos praticamente pára, resultando em centenas de quilômetros de congestionamentos, em momentos em que não mais que 16% (1) do total de automóveis cadastrados em São Paulo estão na rua. Essa situação assumiu contorno caótico no último período de chuvas. Aqueles que usam o automóvel para seu deslocamento cotidiano reclamam da situação, reivindicando melhorias viárias e eficiência no sistema de circulação, e apontam que a precariedade do sistema de transporte coletivo impossibilita a sua utilização como alternativa ao automóvel.

Pode-se, de início, concluir que não há espaço público disponível para que todos utilizem diariamente o automóvel. O consumo de solo urbano no modelo de mobilidade baseado no automóvel particular é muito maior do que no modelo baseado no transporte coletivo. Se a cidade foi pensada para o carro, então se pressupõe que todos poderiam ter e usar seu carro na cidade para seus deslocamentos cotidianos. Mas o processo de urbanização das metrópoles brasileiras tem como pressuposto a desigualdade ambiental, que integra seu sistema de desigualdades sociais. Enquanto os impactos deste padrão de mobilidade puderem ser repassados para outros grupos sociais, aqueles que se beneficiam do modelo não têm grande interesse em mudanças significativas. A preocupação do amplo acesso do automóvel às classes sociais antes sem possibilidade é anacrônica se não for considerado esse quadro. Questiona-se assim a abordagem simplificada do tema, que focaliza de forma isolada a perspectiva dos investimentos em estruturas viárias c técnicas dos sistemas de transporte coletivo.

Urbanização dispersa e características da metrópole contemporânea

A metropolização e a dispersão urbana tornaram o sistema de mobilidade, que antes era secundário na relação e definiçáo entre as formas de moradia e formas de trabalho, em um elemento estruturador destes sistemas no tecido urbano. As mudanças no sistema de mobilidade se inserem neste processo de transformação e adaptação às novas realidades e também ao novo ciclo econômico do contexto nacional, desencadeado na segunda metade do século passado. Este processo trouxe impactos sociais e ambientais, que resultaram na alteração dos padrões de deslocamento cotidiano, alterando modos de circulação, gestão do transporte e do trânsito, e desencadeando novas configurações do tecido urbano.

Quando falamos de mobilidade urbana estamos falando do tecido urbano dinâmico, onde a moradia não pode ser considerada um ponto fixo e a realidade metropolitana segue em contínuo processo de mudanças. A urbanização dispersa da metrópole reforçou a dinâmica que relaciona fortemente as condições de moradia, trabalho e renda, e as formas de circulação. A mobilidade na metrópole não pode ser considerada aleatória, a partir de uma escolha individual, e a transformação do tecido urbano disperso se insere numa lógica de reestruturação das formas de habitar, de produzir, de se deslocar e de organizar a vida cotidiana. Juntamente com este processo, verificam-se como características da metrópole brasileira, e igualmente das demais latino-americanas, o aumento constante do crescimento de precárias periferias residenciais de baixa renda e a proliferação de porções auto-segregadas de residências de mais alta renda, assim como a acessibilidade desigual às oportunidades e amenidades urbanas.

Algumas características deste novo modelo territorial, relacionado com a expansão da mobilidade ocorrida a partir da década de 70, incluem uma expansão física sem precedentes, a fragmentação, especialização e complexidade crescente do espaço urbano (García Palomares, 2008). Nos espaços metropolitanos as transformações territoriais e sociais criam necessidades de se alcançar um número maior de destinos para uma variedade maior de atividades, agora mais dispersos e distantes, O desenvolvimento dos meios de transporte e comunicações alarga as distâncias cotidianas, multiplicando as possibilidades de escolha para uma parte da população: o lugar da residência, a localização do trabalho, as relações pessoais, todos a partir de uma multiplicidade da mobilidade (Ascher, 1995).

A descentralização também segue com a implementaçáo de novos espaços de atração na periferia, induzindo e sendo induzidos por este processo de dispersão, como grandes centros de consumo, serviços do terciário avançado, centros de lazer, centros complexos de residência, lazer e serviços, etc. Para o caso das metrópoles do hemisfério sul mantêm-se nos centros tradicionais espaços de atração de viagens, tornando complexo também o entendimento dos fluxos e dinâmicas de viagens centro-periferia.

As oportunidades geradas pela economia metropolitana são melhores aproveitadas com o incremento da capacidade de deslocamentos cotidianos. Grupos de população com maior nível de renda e capacidade de deslocamentos aumentam suas oportunidades econômícas, enquanto que os grupos de mais baixa renda, cada vez mais numerosos, são submetidos a uma desigualdade de mobilidade e acesso à cidade, que tornam suas oportunidades econômicas ainda mais reduzidas. Assim, associa-se um processo de desigualdade social à desigualdade ambiental nas metrópoles.

A mudança das relações de apropriação do espaço é outro ponto chave e dialético na percepção dos problemas ambientais urbanos. O bairro deixa de ser a unidade urbana da proximidade e os guetos que váo se formando passam a estruturar...

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