A paisagem no Plano Diretor Municipal: uma reflexao sobre sua referencia na legislacao urbanistica dos municipios paranaenses. - Vol. 45 Núm. 134, Enero 2019 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 792345869

A paisagem no Plano Diretor Municipal: uma reflexao sobre sua referencia na legislacao urbanistica dos municipios paranaenses.

AutorCaetano, Fernando

RESUMO | A paisagem esta na pauta das preocupacoes contemporaneas em relacao ao ordenamento do uso e ocupacao do solo urbano e rural. O objetivo desse trabalho e identificar como o conceito de paisagem tem sido tratado como tema do planejamento urbano na legislacao urbanistica. Para tanto, sao analisados 381 Planos Diretores de municipios do Estado do Parana, no Brasil, utilizando-se do metodo de analise de conteudo. Complementarmente, procura-se compreender quais ideias de paisagem aparecem em suas principais leis constituintes, observando as cinco problematicas da paisagem definidas por Jean Marc Besse. Os resultados mostram que predominam certas ideias em detrimento de outras em funcao da reproducao de disposicoes gerais dos instrumentos da politica urbana, ja previstas em legislacao federal e pela aplicacao de modelos-padrao de leis em municipios distintos.

PALAVRAS CHAVE | planejamento urbano, politica urbana, teoria urbana.

ABSTRACT | Landscape is one of the matters on the agenda of contemporary concerns regarding urban and rural land use. The objective of this paper is to identify how the concept of landscape has been treated as a theme of urban planning in planning legislation. For this, 381 comprehensive plans of Parana State municipalities, Brazil, are analyzed, using content analysis methods. The revision seeks to understand what ideas of landscape appear in the legal documents, taking in account the five classifications of complexities of landscape defined by Jean Marc Besse. The results show that certain ideas predominate over others due to the reproduction of general provisions of urban policy instruments already providedfor federal legislation and the application ofstandard models of law in different municipalities.

KEYWORDS | urban planning, urban policy, urban theory.

Panorama inicial

Descrever uma paisagem pode ser um ato simples e trivial, uma forma descompromissada de expressar as cenas do cotidiano; mas tambem pode ser uma acao carregada de emocao, quando se expressa sentimentos sobre algum lugar; ou algo racional e sistemico, na ocasiao em que se pretende enunciar as caracteristicas dos ambientes naturais e construidos ao longo do tempo; e ate mesmo a manifestacao da imaginacao, quando se idealiza a construcao de um espaco onde se vivera. Observa-se, portanto, que esse termo pode ser empregado para externar uma infinidade de situacoes e tentar abarcar simultaneamente todas as suas possibilidades nao e tarefa facil, se viavel. Por outro lado, compreende-se que preterir, ou mesmo nao reconhecer, uma ou outra propriedade do conceito, pode incorrer em perigosa simplificacao.

De muitos autores que buscam mediar essa pluralidade interpretativa sobre a paisagem, o filosofo Jean-Marc Besse reconhece que, mesmo possuindo uma forte componente subjetiva na sua definicao, fruto da construcao humana do conceito, a objetividade do mundo material tambem e essencial para a concepcao das ideias de paisagem (Besse, 2014). Assim, a saida proposta por esse autor frente a tal problematica e identificar quais seriam as "portas" de leitura para a mesma. Segundo sua interpretacao, de maneira geral, existiriam cinco possibilidades de analise da paisagem: i) "representacao cultural e social"; ii) "producao do territorio habitado"; iii) "meio ambiente material e vivo"; iv) "experiencia sensorial"; e v) "projeto".

Cabe ressaltar que mesmo as leituras mais materialistas da paisagem trazem em seu bojo resquicios de valores ou mesmo memorias dos sujeitos que as conceberam (Schama, 1996). Portanto, o valor de uma paisagem pode ser estritamente individual, como uma lembranca da infancia vivida numa rua qualquer, ou tornar-se coletivo, como a presenca de um rio que marcou o surgimento de uma cidade. Seja de carater individual ou coletivo, o ser humano pode atribuir valor a uma paisagem, que a torna tao ou mais importante que outros tipos de riquezas materiais como, por exemplo, a paisagem cultural da cidade do Rio de Janeiro, reconhecida pela Organizacao das Nacoes Unidas para a Educacao, a Ciencia e a Cultura (UNESCO) como patrimonio da humanidade.

Dentre as diversas formas utilizadas pelo ser humano para resguardar seus valores materiais e imateriais coletivos, que representariam, em tese, um modelo ideal de sociedade a ser alcancado, as leis e demais normas juridicas constituemse em expressivo expediente garantidor. Mais do que nunca, no contexto de uma sociedade capitalista, o reconhecimento dos valores individuais e coletivos que as paisagens tem e fundamental para a conquista da qualidade de vida humana e a construcao da identidade social do sujeito. Dessa forma, a paisagem, reconhecida como um valor intrinseco da natureza humana, tem sido objeto de tutela, por meio de normatizacao legal, visando o seu reconhecimento e ordenamento, em prol do bem comum. Nesse contexto, a sociedade brasileira tem confiado na legislacao urbanistica, em especial o Plano Diretor Municipal (PDM), para o reconhecimento e valorizacao da paisagem local.

A "aposta" da sociedade no PDM, para atingir este e outros objetivos da politica urbana, esta consagrada na Constituicao Federal (CF) de 1988, especificamente no capitulo da "Politica Urbana". O artigo 182 da CF define o PDM como o instrumento basico de efetivacao da politica de desenvolvimento urbano, sendo obrigatorio para municipios com mais de 20 mil habitantes. A CF definiu que a propriedade urbana cumpre a sua funcao social se atender as exigencias fundamentais de ordenacao da cidade expressas no PDM.

Em 2013, os resultados publicados da "Pesquisa de Informacoes Basicas Municipais --MUNIC", feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (ibge), mostraram que, dos 5.570 municipios brasileiros, 2.785 haviam elaborado seus PDMs, o que corresponde a 50% do total. Nessa pesquisa de abrangencia nacional, o Parana se destacou como o estado da federacao que apresentou o maior numero absoluto de municipios com PDMS elaborados, perfazendo um total de 368 planos. Como o Estado do Parana possui 399 municipios, a MUNIC 2013 mostrou que 92% dos municipios paranaenses ja possuiam PDM naquele ano.

Assim, considerando: i) a relevancia da paisagem como um aspecto fundamental para a qualidade de vida humana; ii) os pressupostos legais, federais e estaduais, para a elaboracao de um PDM; e iii) a posicao de destaque do Parana quanto ao numero de municipios com PDMs elaborados, o objetivo desse trabalho e expor como a paisagem foi tratada na legislacao urbanistica dos municipios paranaenses, bem como identificar, por meio do metodo de analise de conteudo, quais ideias de paisagem apareceram nesse conjunto legal, dentre as cinco categorias de leitura da paisagem definidas por Jean Marc Besse. Compreende-se que tal tarefa possui o potencial de agregar postura critica para a tomada de decisao no campo de conhecimento do planejamento urbano e regional em outros contextos urbanos. Para tanto, apos uma rapida incursao sobre as possibilidades de compreensao do conceito de paisagem e sua aplicacao em experiencias legais e normativas, expoe-se uma sucinta discussao sobre a pertinencia do PDM enquanto fato legal. Na sequencia, sao apresentadas as opcoes metodologicas e os resultados encontrados no recorte territorial definido.

As varias formas de expressar o que e paisagem

O conceito de paisagem nao e universal. Para sua compreensao e necessario reconhecer as configuracoes culturais das sociedades que o utilizaram com a intencao de expressar algo, geralmente relacionado a percepcao visual humana do ambiente a sua volta, sem excluir as demais contribuicoes de outras dimensoes sensoriais no ato de percepcao e expressao paisagistica (Custodio, 2014).

Ademais, essa autora aponta que a "sociedade paisagistica" surgiu no Oriente, especificamente na China, onde a beleza e a sua retratacao possuem inclusive um carater religioso e social. Barros e Padua (2014) afirmam que, no ocidente, a paisagem aparece como um movimento cultural a partir do Renascimento, por volta do seculo xvi, periodo marcado pela ascensao da razao e a libertacao das artes em relacao as restricoes da igreja catolica. Nesse periodo, segundo os autores, as escolas de pintura, nos territorios das atuais Holanda e Italia, comecaram a trabalhar a representacao de temas da natureza, "recortando-os" espacialmente e "enquadrando-os", delimitando assim "a paisagem".

Sandeville (2005) observa que, "nas linguas latinas paisagem tem origem no latimpagus (marco ou baliza metida na terra, territorio rural delimitado por marcos, distrito, aldeia, povoacao) " (p. 4). O autor afirma que a origem da palavra pagus remete a um territorio delimitado, com sentido de distrito ou aldeia, ou seja, algo relacionado ao campo, ao rural, distante da nocao moderna de paisagem.

Ao analisar a origem do termo nas linguas anglo-saxoes, Cosgrove (2002) afirma que "as raizes etimologicas da paisagem radicam nas conexoes substanciais entre um coletivo humano (denotado pelos sufixos schaft, ship, scape) e seus direitos publicos de usufruto sobre os recursos naturais de uma area delimitada (land), como esta estabelecido no direito habitual" (p. 71). O autor buscou identificar as origens do termo ingles "landscape", que decorre do alemao "landschafi". Segundo o autor, o termo alemao relaciona a paisagem com os limites politicos e administrativos de uma determinada regiao, ja o ingles associa a ideia de paisagem com a ideia de cena ou cenario, diretamente relacionada com a percepcao visual do homem.

Para Custodio (2014), a visao de paisagem do seculo xvi, como pano de fundo para representar a cultura humana, passou por modificacoes historicas ate o seculo xix, e as pessoas foram, aos poucos, deixando de fazer parte das cenas retratadas nos quadros "paisagisticos", passando a natureza a ocupar um papel central. Foi no Romantismo do seculo xix que a contemplacao da natureza se converteu em prazer estetico, como forma de compensar ou contrapor-se a uma epoca em que o...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR