Reestruturacao da Metropole Periferica e o impasse da Reforma Urbana em Curitiba. - Vol. 43 Núm. 128, Enero 2017 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 661906929

Reestruturacao da Metropole Periferica e o impasse da Reforma Urbana em Curitiba.

AutorStroher, Laisa
CargoArticulo en portugues - Ensayo

RESUMO | O amplo debate sobre as mudancas nos padroes de intervencao e organizacao territorial do Estado quanto as regioes metropolitanas, a partir do final dos anos 1970, tem enfocado os paises do Atlantico Norte. A pesquisa visa explicitar algumas especificidades quanto as metropoles brasileiras, com apoio na teoria regulacionista e nos estudos urbanos criticos sobre o Brasil. Argumenta-se que, para o caso dos paises perifericos esta transicao tem sido permeada de continuidades, sobretudo quanto ao modo seletivo de intervencao do Estado no territorio. Esta analise contempla um estudo de caso sobre a Regiao Metropolitana de Curitiba, com foco na sua trajetoria de planejamento urbano, desde os anos 1960 ate hoje. Apesar de Curitiba ser conhecida internacionalmente por sua expertise em planejamento (frequentemente tida como um modelo), evidencia-se que a cidade nao tem logrado romper com a dinamica de urbanizacao marcada por profundas disparidades socioespaciais.

PALAVRAS-CHAVE | reestruturacao territorial, planejamento urbano, areas metropolitanas.

ABSTRACT | The broad debate on transitions in the pattern of territorial intervention and organization of the State, from the late 1970s, has focused on countries in the Northern Atlantic region. The research aims to highlight some specificities about the brazilian metropolis, with support in the regulationist theory and critical urban studies about Brazil. It is argued that, in the case of peripheral countries this transition has been permeated by continuities, especially as to selectively state intervention in the territory. This analysis includes a case study of the Metropolitan Region of Curitiba, focusing on its urban planning trajectory, from the 1960s until today. Although Curitiba is internationally known for its planning experience (often taken as a model), it is evident that the city has not succeeded in breaking the dynamics of urbanization marked by deep socio-spatial disparities.

KEYWORDS | territorial restructuring, urban planning, metropolitan areas.

Introducao

A "teoria dos regimes espaciais" de Brenner (2004), um dos expoentes da escola de regulacao anglo-saxa, baseia-se na ideia de que as estrategias e projetos espaciais (2) do Estado compoem um determinado tipo de regime espacial, que se relaciona com o regime de acumulacao capitalista e com a luta dos agentes (de varias naturezas e organizados em diversas escalas) para modelar o Estado de acordo com seus interesses. A partir dessa otica o autor observa a forma como vem sendo moldada a organizacao e intervencao escalar-territorial do Estado apos a crise do Estado de Bem Estar Social, especialmente no contexto da Europa Ocidental e Estados Unidos (EUA).

Por um lado, Brenner (2004, pp. 114-171) observa a desestruturacao de um regime espacial (predominantemente) centrado nos objetivos de redistribuicao de ativos (renda, emprego, infraestrutura) e na manutencao da coesao territorial na escala nacional coordenada pelo governo federal, que ele denominou de regime fordista-keynesiano. Por outro lado, observa a emergencia de um regime reescalonado e competitivo, com um papel crescente de estrategias e intervencoes territoriais pautadas pela competitividade urbano-regional, bem como na proeminencia do papel de outras escalas (como as subnacionais e supranacionais) (pp. 172- 256). O autor entende que estas transformacoes tem acirrado as disparidades e conflitos (sociais, economicos, ambientais...) nas regioes metropolitanas.

Com o intuito de contextualizar esse debate quanto ao Brasil, na primeira parte do artigo procura-se relaciona-lo com uma literatura critica sobre o processo de urbanizacao e planejamento urbano brasileiro (Klink, 2013; Maricato, 2000, 2011 e 2013; Villaca, 2010; e outros). Com apoio nessas leituras defende-se que os impactos da emergencia de paradigmas associados ao regime espacial reescalonado e competitivo no Brasil tem se caracterizado mais como um acirramento de tendencias historicas, do que propriamente como uma substituicao por paradigmas novos.

A segunda parte do artigo contempla um estudo sobre a trajetoria de planejamento urbano na Regiao Metropolitana de Curitiba (RMC), a partir dos anos 1960 ate hoje. Ao observar as mudancas e permanencias do modo de intervencao territorial do Estado na RMC, busca-se explicitar as contradicoes e limites quanto aos projetos espaciais estatais para a Grande Curitiba (com foco nos planos diretores e regulacoes urbanisticas complementares) em responderem a reversao da dinamica de urbanizacao desigual da metropole, em que pese a fama internacional da sua expertise de planejamento urbano. Esta analise se baseia tanto em estudos empiricos, analises de documentos, como em uma revisao bibliografica.

Reestruturacao e reescalonamento da Metropole Periferica: rumo a hiper-seletividade territorial?

A transicao de regimes espaciais estatais nao tem sido tao clara com relacao ao Brasil, ate mesmo porque o pais nunca viveu um regime de acumulacao similar ao fordista-keynesiano. Enquanto vigorava o Estado de Bem Estar na Europa ocidental e nos EUA, adotou-se aqui, apos o golpe militar na decada de 1960, um modelo economico de vies nacional-desenvolvimentista que associou expressivas taxas de crescimento economico a uma dinamica intensa de concentracao de renda. Modernizacao conservadora, desigual e combinado ou industrializacao de baixos salarios sao algumas das imagens recorrentemente utilizadas para tentar explicar o paradoxo desta associacao.

No que se refere a agenda urbano-metropolitana, embora o regime militar tenha formulado projetos espaciais (como planos diretores) de conteudo semelhante em certos aspectos aos realizados durante o regime fordista-keynesiano, as intervencoes efetivas (as estrategias espaciais) frequentemente caminharam na contramao, questao amplamente debatida na literatura critica sobre a historia do urbanismo brasileiro (Klink, 2013, pp. 91-93; Maricato, 2000, pp. 136-144; Villaca, 2010, p. 177).

Nas decadas de 1960 e 1970 o governo federal criou orgaos para tratar da questao habitacional (o Banco Nacional de Habitacao--BNH) e do planejamento urbano (o Servico Federal de Habitacao e Urbanismo-Serfhau), alem de inumeras agencias metropolitanas, a fim de coordenar o planejamento das metropoles. O Serfhau, por sua vez, financiou a elaboracao de inumeros planos diretores locais e metropolitanos, muitos inspirados na abordagem do planejamento integrado, os quais, em tese, deveriam guiar a atuacao do BNH. Este representou o programa habitacional de maior escala ate entao, responsavel pelo financiamento de 4,5 milhoes de moradias, aproximadamente 1/4 de toda producao habitacional (formal e informal) do periodo (Royer, 2009, p. 64).

Apesar desse cenario supostamente favoravel, no entanto, a producao habitacional do BNH beneficiou principalmente as classes sociais e as regioes mais abastadas (Klink, 2013, p. 92; Maricato, 2011, p. 118; Rolnik, 2009, p. 33). Cerca de 30% das unidades financiadas (1,5 milhao) foi destinada a populacao de baixa renda (Royer, 2009, p. 64). O BNH tambem foi muito criticado pela insercao periferica dos conjuntos habitacionais populares (Rolnik, 2009, p. 33). Para a maior parte da populacao a solucao habitacional se baseou na autoconstrucao na periferia, frequentemente em areas ambientalmente frageis, ocupadas ilegalmente. Uma das justificativas deste cenario se relaciona ao fato do BNH ter se configurado mais como uma estrategia de crescimento economico do que propriamente de universalizacao da moradia (Azevedo & Andrade, 2011, p. 107; Ferreira, 2012, p. 53), diferenciando-se, portanto, da natureza da estrategia da construcao habitacional na Europa ocidental no pos-guerra, que conciliou a recuperacao economica a um vies universalizante.

Para entender o papel contraditorio da regulacao urbana neste contexto, recorre- se a algumas interpretacoes sobre as especificidades do planejamento urbano no pais. Flavio Villaca (2010, pp. 222-231) argumenta que a elite tem utilizado ideologicamente dos planos diretores (urbanos e metropolitanos) como forma de desviar a atencao dos fatores estruturais que promovem a desigualdade no pais, o que levou o autor a cunhar o conceito do plano discurso. No entendimento do autor, ao inves de enfrentar os problemas com reformas estruturais, responde-se as reivindicacoes populares com novos planos diretores, que raramente chegam a ser efetivados. Outra especificidade se refere a aplicacao frequentemente circunstancial e seletiva da legislacao urbanistica e ambiental no pais (Maricato, 2000, p. 148). Ou seja, sua aplicacao varia de acordo com a circunstancia e e restrita a determinadas partes do plano e da cidade, especialmente aquelas que vao ao encontro dos interesses dos agentes que atuam no setor imobiliario. (3) Estas e outras distorcoes das ideias de planejamento modernistas quando transpostas para o contexto da metropole periferica brasileira foram denominadas por Maricato (2000, p. 121) de "ideias fora do lugar".

A crise economica nos paises do Atlantico Norte, a partir de meados dos anos 1970, abalou um dos pilares do "milagre economico" brasileiro: o financiamento externo. A recessao economica entao desencadeada, atrelada a crise ideologica do fordismo-keynesiano no Atlantico norte contribuiu para o abandono de boa parte das politicas nacionais em curso. Nos anos 1990 o Brasil aderiu as prerrogativas do Consenso de Washington, o que representou a abertura, desregulamentacao comercial e privatizacao de grandes industrias nacionais, alem de uma lacuna nas politicas publicas em diversas areas (ciencia, tecnologia, sociais...).

Durante os anos 1980 e 1990, reduziram-se drasticamente os investimentos em infraestrutura urbana e regional, o BNH foi fechado em 1986 e as agencias metropolitanas de planejamento foram extintas ou esvaziadas. O planejamento urbano ficou a cargo principalmente dos governos locais, o que pode ser entendido como uma descentralizacao por...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR