Rodadas de neoliberalizacao, provisao de infraestrutura e "efeito-China" no Brasil pos-1990. - Vol. 46 Núm. 139, Septiembre 2020 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 863495852

Rodadas de neoliberalizacao, provisao de infraestrutura e "efeito-China" no Brasil pos-1990.

AutorWerner, Deborah

Introducao

O presente artigo analisa, com base nas nocoes de circuitos economicos de acumulacao e processos de neoliberalizacao, as rodadas regulatorias que envolvem os investimentos em infraestrutura no Brasil, desde 1990, considerando o papel do pais na divisao internacional do trabalho e a proeminencia da China, enquanto agente dominante em escala global, capaz de orientar decisoes e promover o reordenamento territorial brasileiro. Com base no metodo historico-estrutural de carater interdisciplinar e apoiado em revisao bibliografica, analise de documentos e informacoes disponibilizadas por instituicoes do governo brasileiro e imprensa especializada, argumenta-se que os investimentos em infraestrutura (logistica e energia eletrica) funcionais ao atendimento a demanda internacional por commodities agricolas e minerais. Recebe destaque a chinesa, crescente no periodo analisado, que concorre para vincular os espacos subnacionais produtores aos fluxos dos mercados globais.

Ao longo da decada de 1990, as mudancas regulatorias promoveram concessoes privadas, privatizacoes e a participacao do capital estrangeiro nos investimentos em infraestrutura. As privatizacoes foram arrefecidas entre 2003-2016, substituidas pelas parcerias publico-privadas e pela retomada do papel investidor do estado. De 2017 em diante, novas rodadas regulatorias sinalizaram a retomada das privatizacoes e concessoes privadas. Recebe protagonismo no recente periodo o capital chines, adquirente de ativos de capital fixo de energia eletrica e logistica, aspecto que se soma a sua relevancia como principal demandante de produtos primarios, potencializando o controle chines sobre porcoes crescentes do territorio nacional.

A nocao de circuitos economicos de acumulacao permite identificar agentes dominantes e hierarquias no processo de acumulacao que, no caso brasileiro, extrapolam os determinantes nacionais, articulam o bloco de poder interno relacionado a producao commodities agricolas e minerais e a construcao civil, e consolidam a divisao inter-regional do trabalho vinculada ao padrao de acumulacao em curso (Poulantzas, 2013; Siqueira, 2015).

A analise da montagem infraestrutural pos-1990 evidencia o carater multiescalar das decisoes e da organizacao dos espacos regionais brasileiros em consonancia com aquela dinamica e interesses de acumulacao. Elucida, ademais, o vinculo entre interesses internacionais e do bloco de poder interno, em especial quando enfatiza a demanda da economia chinesa por commodities agricolas e minerais, e as estrategias de exportacao do capital pais asiatico. As decisoes em torno desses investimentos e respectivas alteracoes institucionais e regulatorias promovem a coerencia estruturada no territorio brasileiro pela qual sao requeridas as rodadas de neoliberalizacao (Brenner, Peck, & Theodore, 2012; Harvey, 2006), capazes de conferir o quadro juridico e institucional compativel com os requisitos do capitalismo contemporaneo neoliberalizado.

A primeira secao do artigo analisa, com base na nocao de circuitos economicos de acumulacao, a emergencia da economia chinesa enquanto capaz de orientar macrodecisoes (Furtado, 2013) e influenciar a organizacao territorial e a atuacao do Estado brasileiro na promocao da coerencia estruturada em torno da exportacao de commodities agricolas e minerais. A segunda secao discute as rodadas de neoliberalizacao e ressalta os principais movimentos regulatorios e institucionais, que viabilizaram no Brasil os investimentos em infraestrutura, amalgamando interesses dos agentes dominantes internos e externos relacionados a dinamica de acumulacao orientada pela especializacao da pauta exportadora brasileira em bens primarios e recursos naturais.

A terceira secao analisa a proeminencia da China nas decisoes relacionadas a provisao de infraestrutura, seja ao orientar os investimentos do governo brasileiro, no ambito do Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC), de 2007; seja enquanto investidor direto, quando da retomada das concessoes e privatizacoes como principal mecanismo de investimento em infraestrutura no Brasil, no governo Michel Temer (2016-2018), com o Programa de Parceria de Investimentos (PPI). A ultima sessao e guardada as consideracoes finais.

A posicao da economia chinesa nos circuitos economicos de acumulacao

Durante o processo de adaptacao ao novo cenario global que se abre com a crise da decada de 1970, todos os paises perifericos liberalizaram seus mercados, buscando captar Investimentos Diretos Externos (IDE) e promover suas exportacoes nos marcos da nova divisao internacional do trabalho que se desenhava. Na Asia, a estrategia implementada pelo Japao, de crescimento comandado pelas exportacoes de produtos industrializados, resultou na integracao regional produtiva, completada pela incorporacao da economia chinesa, nos anos 2000 (Fernandez, 2017; Medeiros, 1997).

Desde os anos de 1980, quando da substituicao de exportacoes na direcao de bens industriais, a China passou de exportador liquido de graos para um dos maiores importadores liquidos mundiais. A industrializacao acelerada, que transitaria da producao de bens intensivos em mao de obra para setores de maior conteudo tecnologico, elevou consumo de minerio de ferro, carvao, aco e aluminio, para alem da capacidade de producao do pais, pressionando os mercados mundiais. A crescente participacao da China no controle de atividades estrategicas nas cadeias de mercadorias permitiu o melhoramento de sua insercao no sistema-mundo, expressivas modificacoes na divisao internacional do trabalho e maior relevancia do pais na hierarquia mundial (Fernandez, 2017; Medeiros, 2006).

Na decada de 2000, a economia chinesa se consolida enquanto novo centro decisorio e de acumulacao capitalista e possibilita um novo mapa geoeconomico global, a partir das crises nos paises centrais e concomitante emergencia do sul-global Ainda que a periferia tenha apresentado tendencia convergente com os paises centrais em termos de crescimento economico e participacao da producao mundial, enfatiza-se tanto o papel do Leste Asiatico para esse processo, quanto as trajetorias diferenciadas entre o Leste Asiatico e a America Latina (Fernandez, 2017).

Em contraposicao a estrategia asiatica, a America Latina promoveu o desmantelamento dos distintos mecanismos de intervencao do Estado, ao adotar as medidas oriundas do Consenso de Washington, de 1989, o que levou a progressiva desarticulacao e reprimarizacao do processo produtivo, constrangendo a insercao da regiao nas redes de comercio global com base em produtos de maior valor agregado (Fernandez, 2017). Seguindo o padrao latino-americano de liberalizacao comercial e financeira, as politicas macroeconomicas implementadas no Brasil nos anos 1990 --livre fluxo de capitais, elevadas taxas de juros e cambio valorizado--resultaram na especializacao regressiva e na desindustrializacao. Conferiu-se a estrutura produtiva nacional o carater de plataforma de acumulacao financeira e especializada em commodities agricolas e minerais na integracao aos mercados globais (Cano, 2012; Coutinho, 1997; Paulani, 2013).

Tais ajustes estruturais culminaram no processo de desconcentracao industrial regional atrelada aos recursos naturais, consolidando uma divisao inter-regional do trabalho que vincula os espacos regionais primario-exportadores aos ditames globais de acumulacao (Siqueira, 2015). Portanto, a compreensao das dinamicas regionais brasileiras, que emerge da reorganizacao oriunda das mudancas no capitalismo global, passa pelo entendimento do papel da economia chinesa enquanto agente dominante no processo de acumulacao e organizacao dos territorios.

De acordo com Rofman (2016), ainda que os agentes economicos atuem em um quadro regional delimitado, o processo produtivo transcende a esses limites e abrange outros agentes, que lhes sao externos. Desconsiderar esse traco relacional impossibilita reconhecer ou avaliar adequadamente o processo socioeconomico. Se "o ambito de observacao do fenomeno regional nao esta forcosamente circunscrito a regiao, nem o setorial ao setor, nem o territorial ao espaco" (Levin, 1974, p. 7 como citado em Rofman, 2016, p. 248), entao deve-se aceitar que a compreensao dos processos socioeconomicos no espaco se produzem e se reproduzem com base em relacoes concretas, dentro e fora dos quadros regionais.

Por outro lado, a posicao dos agentes economicos no processo de acumulacao conforma relacoes desiguais no espaco, derivadas nao apenas do poder economico diferenciado das unidades de producao e/ou distribuicao, mas tambem por suscitar relacoes de predominancia e dominacao que irao conformar as relacoes hierarquicas regionais. Na dimensao espacial, cada um dos encadeamentos nos quais se desdobra o processo de acumulacao, com seus respectivos agentes economicos, recebe a denominacao de "circuitos economicos de acumulacao regional". Rofman (2016) enfatiza que cada um desses circuitos faz parte de um circuito maior, que seria nacional. A atual fase do capitalismo coloca-nos o desafio de compreender os circuitos de acumulacao de maneira multiescalar, identificando a relevancia das escalas nacional e internacional na consolidacao dos espacos sub-regionais e o papel de agentes externos enquanto centros de decisao dominantes, a luz do que a economia chinesa emerge enquanto determinante nesse processo.

Para Moraes (2017), a espacialidade do desenvolvimento desigual do capitalismo reproduz as diferencas numa hierarquizacao do espaco em multiplas escalas. Considera ainda que os circuitos espaciais da producao e os circulos de cooperacao no espaco devem ser compreendidos na otica da mundializacao do espaco geografico e da globalizacao das relacoes sociais de producao. Conceber a divisao espacial do trabalho em multiplas escalas, portanto, requer buscar a logica territorial da internacionalizacao do capital, visto que o espaco se torna espaco global do capital.

De acordo com o autor, a cada circuito...

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