A sombra da periferizacao: Possiveis dialogos entre o "Programa Minha Casa Minha Vida" e a dinamica migratoria: o caso da Regiao Metropolitana de Belo Horizonte e microrregioes circunvizinhas. - Vol. 47 Núm. 140, Enero 2021 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 863515212

A sombra da periferizacao: Possiveis dialogos entre o "Programa Minha Casa Minha Vida" e a dinamica migratoria: o caso da Regiao Metropolitana de Belo Horizonte e microrregioes circunvizinhas.

AutorCunha, Tiago-Augusto Da

Introducao

Mais recentemente--sobretudo a partir de 2009--, a politica habitacional brasileira tem sofrido uma especie de reavivamento, quando volumosas somas financeiras tem sido destinadas a ela. Decerto, a principal ferramenta do Plano Nacional de Habitacao foi o "Programa Minha Casa Minha Vida" (PMCMV), que se instituia como, tambem, instrumento de estimulo economico, ao dinamizar toda cadeia produtiva dele dependente (Bonduki, 2008; Cardoso, 2003; Carvalho, Shimbo, & Rufino, 2015; Maricato, 2009).

Parece, desde ja, importante dizer que o PMCMV apresentava singularidades de financiamento e subsidios--como veremos detalhadamente mais a frente--de acordo com o municipio de implantacao dos empreendimentos habitacionais. Alem da localizacao, a diferenciacao nos aportes se dava, entre outros criterios, em funcao das caracteristicas de rendimento da populacao demandante (Balbim, Krause, & Neto, 2013; Brasil, 2009a, 2009b e 2009c). Dessa forma, urge elucidar que tais criterios de seletividade inerentes ao programa podem ter sido decisivos para condicionar o que pretendiamos inicialmente estudar, isto e, se o programa habitacional orientou os fluxos migratorios em direcao a periferia metropolitana e para microrregioes interioranas circunvizinhas ou se os intensificou. De qualquer maneira, julgamos que a predisposicao espacial das unidades MCMV foi norteada pela seletividade do perfil do mutuario e, especialmente, pelo preco da terra. Fluxos migratorios preteritos em direcao a periferia ja seriam indicios da diferenca dos valores imobiliarios entre sede metropolitana e arrabaldes. Nesse sentido, embora nao consigamos afirmar que o PMCMV causou movimentos migratorios, parece-nos acurado presumir que ele foi arrebatado pelo proprio processo de periferizacao de outrora. Afirmar que ele foi balizado pela periferizacao nao significa relativizar a responsabilidade de seus arquitetos em torna-lo instrumento de reproducao desta mesma periferia.

Recapitulando, partimos da premissa de que o valor da terra foi determinante para condicionar a concentracao de novas unidades habitacionais em cidades interioranas, porem geograficamente proximas as regioes metropolitanas, atraindo, para la, imigrantes (Balbim, Krause, & Neto, 2013; Balbim, Krause, & Neto, 2015; Neto, Krause, & Furtado, 2015). E possivel dizer que a politica habitacional--dadas as causas diferenciais de localizacao espacial das moradias e dos perfis populacionais --provocaria nao so movimentos migratorios intrametropolitanos, mas tambem fluxos intraestaduais de curta distancia. Em outras palavras, ha uma racionalidade deliberada de concentrar os empreendimentos habitacionais nas periferias metropolitanas e em municipios interioranos vizinhos a elas, conforme perfis especificos dos grupos populacionais. A diferenca nos valores fundiarios entre sede metropolitana, periferia da regiao metropolitana e interior, assim como os subsidios governamentais fornecidos segundo recorte territorial, natureza da moradia e, por ultimo, a capacidade de financiamento e, logo, endividamento dos estratos populacionais seriam as razoes mais evidentes das prevalencias locacionais das novas residencias (Balbim, Krause, & Neto, 2013; Balbim, Krause, & Neto, 2015; Ferreira, 2012; Neto, Krause, & Furtado, 2015).

Com o objetivo de operacionalizar a pesquisa, almejamos estudar o caso da Regiao Metropolitana de Belo Horizonte e suas microrregioes limitrofes, retratando o cenario habitacional a luz das dinamicas migratorias ao longo da decada 2000-2010. Alem disso, dado o relativo curto periodo de vigencia do PMCMV (2009-2014), optamos por estudar exclusivamente a migracao mais recente (aquela inferior a cinco anos), a partir do Censo Demografico de 2010, embora descrevamos os movimentos migratorios pregressos atraves do Censo Demografico de 2000, de maneira a retratar o contexto de entao e, por ultimo, comparar ambos os momentos.

Por fim, adotamos uma serie de instrumentos eminentemente demograficos com o objetivo de analisar a possivel associacao entre politica habitacional e migracao: i) matrizes migratorias 2000 e 2010, ii) indice de eficacia migratoria, iii) saldo migratorio, iv) indice de correlacao de Pearson e, por ultimo, e) indice de Moran Global. Ou seja, partimos da premissa de que ha uma correlacao linear, diretamente proporcional e positiva entre o estabelecimento de novas residencias e o aumento de fluxos migratorios ou, ao contrario, subvertendo a causalidade: os empreendimentos do PMCMV vindo a reboque de fluxos migratorios passados. Por esta razao, optamos por nos valermos do indice de correlacao do Pearson. Nao menos importante, afora a correlacao entre habitacao e migracao, inferimos que haja igualmente correspondencia espacial entre os fenomenos. Dessa maneira, o indice de Moran Global averigua a autocorrelacao--ou dependencia--espacial das variaveis a partir do produto dos desvios em relacao a media. A hipotese nula, neste caso, significa independencia espacial entre as variaveis, sendo que valores positivos representam correlacoes diretas e, negativos, inversas (Neves, Ramos, Camargo, Camara, & Monteiro, 2000).

De qualquer maneira, a inexorabilidade da periferizacao nos aparenta ser o resultado de qualquer ordem dos fatores. Isto e, ao menos neste momento inicial da pesquisa, admitimos certa causalidade, dependencia e direcionalidade entre os fenomenos. Por certo, a causalidade deve ser relativizada devido a dificuldade de se isolarem os fenomenos e efeitos entre as variaveis.

Politicas habitacionais e migracao

Weinberg (1979) sustenta que a migracao intraurbana e condicionada pela alteracao do local de trabalho, por estagios do ciclo vital individual e familiar, pela propriedade/posse do imovel e por restricoes no mercado habitacional.

Housing market tightness also affects the mobility of households. If the market is tight, that is, if fewer houses and apartments are available, decisions to move might easily be delayed until the situation eases. Sabagh et al. (1969, p. 94) assert that 'despite sufficient resources and access to a variety of information sources, planned moves may be forestalled by a tight housing market. An expanding housing market, in contrast, provides more mobility temptations. (p. 224) Conquanto o mesmo autor nao detalhe os constrangimentos habitacionais estruturais, inferimos que politicas habitacionais influam na decisao sobre a localizacao de onde morar e, assim, embora indiretamente, para onde migrar. Afinal, os objetivos dessas agendas afetam diretamente o volume do estoque de moradias, sua localizacao e o perfil demandante. Em suma, programas de moradia induziriam determinados grupos a mudar de residencia em direcao a nao menos particulares regioes (Torres, Marques, Ferreira, & Bitar, 2003; Villaca, 1998).

Paralelos podem ser estabelecidos com o estudo de Cunha (1994), embora nele o objeto de investigacao seja a migracao intrametropolitana, e nao necessariamente intraurbana. O autor joga luz sobre uma serie de condicionantes do fenomeno, enfatizando o descompasso entre local de trabalho e de moradia decorrente da diferenca de valores do solo urbano. Para os migrantes, o local de residencia periferico seria menos uma escolha, senao a unica alternativa. Ou seja, o valor da moradia e de outros custos fisico-financeiros da sede seriam intangiveis para os migrantes mais carentes, inviabilizando sua permanencia ali. A alternativa seria, entao, migrar para a periferia, enquanto o municipio-sede da regiao manter-se-ia como local de trabalho. Nesse caso, a migracao por necessidade precede qualquer estoque habitacional. Migra-se, havendo casa ou nao. A variacao do numero de domicilios advem da urgencia de se encontrar, antes de mais nada, uma localizacao. Ora a periferizacao pode surgir da ampliacao do estoque habitacional espacialmente marginalizado, ora, da segregacao socioespacial dos grupos. Enfim, trata-se da relacao dialetica entre populacao, localizacao, exclusao e habitacao. A complexidade das relacoes de causa e efeito entre os fenomenos e mais profunda. Isto e, a localizacao dos grupos nao e casual ou e exclusivamente fruto da soma de decisoes individuais, cujas consequencias mais visiveis ja ventilamos (marginalizacao e segregacao). Da mesma maneira, a localizacao repercute nas caracteristicas coletivas. Basta retomarmos o conceito de "geografia de oportunidades" de Sabatini e Wormald (2013). Nesse sentido, a realidade nao e o produto de um conjunto inexoravel de forcas, senao estas mesmas causas elementares que a produzem sao socialmente produzidas e reproduzidas, sendo mais ou menos mutaveis ao longo do tempo e do espaco.

Os resultados de Cunha (1994) ratificam uma das conjecturas feitas ate o momento e, desse modo, complementam as afirmacoes de Weinberg (1979). O PMCMV, pela sua propria natureza, apresenta uma logica de implantacao espacial diferenciada dos seus empreendimentos conforme a faixa de renda dos demandantes e dos subsidios governamentais envolvidos. Nesse sentido, o programa, ao produzir massivamente habitacao, despressurizou demandas habitacionais existentes em determinadas localidades, ainda que estimulando a migracao intrametropolitana, mormente em direcao a periferia, postos os altos valores impeditivos do solo urbano na sede (Neto, Krause, & Furtado, 2015).

Mais recentemente, o trabalho de Am ore, Shimbo e Rufino (2015) nos traz informacoes adicionais sobre a logica espacial de implantacao do PMCMV.

Os autores chegam a mapear algo improvavel: excedentes habitacionais em municipios perifericos e interioranos. O saldo positivo parece atipico num cenario generalizado de deficit habitacional. Assim, parece-nos raro que o excesso de estoque de moradias nao tenha atraido contingentes populacionais de forma direta (aquisicao de casa propria) ou indireta (queda no valor dos alugueis, por exemplo). Por fim, e necessario considerar que a habitacao foi vastamente financiada atraves de subprimes, artificio que...

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