Um procedimento baseado na acessibilidade para a concepcao de Planos Estrategicos de Mobilidade Urbana: o caso do Brasil. - Vol. 43 Núm. 128, Enero 2017 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 661906901

Um procedimento baseado na acessibilidade para a concepcao de Planos Estrategicos de Mobilidade Urbana: o caso do Brasil.

AutorMello, Andrea
CargoEnsayo

RESUMO | A elaboracao de um plano de mobilidade urbana comprometido com a sustentabilidade vem sendo defendida em todo o mundo, sendo que a sua formulacao representa um desafio conceituai e pratico. No Brasil, apesar de ser uma exigencia legal, apenas uma parcela irrisoria das cidades a atende. Dentre os motivos se alegam dificuldades quanto ao uso das metodologias tradicionais. Nesse contexto, intenciona-se desenvolver um procedimento que estabeleca as bases para a definicao de estrategias associadas a acessibilidade com vistas a promocao de uma mobilidade sustentavel. A concepcao deste procedimento pretende contribuir para superar restricoes tipicamente observadas nas abordagens convencionais, destacando o conceito de acessibilidade por seu potencial de articulacao entre transportes e uso do solo. Procura ser aplicavel as especificidades de metropoles brasileiras. Espera-se assim colaborar para que o Plano de Mobilidade cumpra com a sua missao e seja um instrumento de transformacao sintonizado com o interesse publico.

PALAVRAS-CHAVE | planejamento urbano, sustentabilidade urbana, mobilidade.

ABSTRACT | The formulation of urban mobility plans committed to sustainability has been advocated throughout the world, but this task presents conceptual and practical challenges. In Brazil, although this is a legal requirement, only a smallfraction of cities have developed such plans. Among the excuses given is the difficulty of using the traditional methods. In this context, we describe a procedure that establishes the bases for definition of strategies associated with accessibility, with the aim of promoting sustainable mobility. The conception of this procedure aims to help overcome the restrictions typically observed in conventional approaches, with the accessibility concept standing out for its potential for articulation between transportation systems and land use patterns. We have tailored this procedure to the specific features of large Brazilian metropolitan regions. Our aim is to help mobility planning accomplish its mission and to serve as an instrument for transformation in line with the public interest.

KEYWORDS | urban planning, urban sustainability, mobility.

Introducao

Sustentabilidade tornou-se uma palavra chave nas ultimas decadas (Seabra, Taco & Dominguez, 2013; Silva & Romero, 2015), que tem inspirado mundialmente o sentimento de mudanca. O que e mais visivel nas cidades, e nas economias emergentes, onde a populacao urbana cresce significativamente, tendendo a dobrar entre 2000 e 2030, alcancando quatro bilhoes de habitantes, com demandas por infraestrutura e servicos, cujo atendimento envolve planejamentos estrategicos adaptados a cada realidade (Somik, 2013). O problema e ainda mais critico considerando o crescimento da taxa de motorizacao em tais paises (que duplicou entre 1990- 2000), com tendencia de continuar elevada nas proximas decadas (ONU-Habitat, 2013).

Portanto, a problematica da sustentabilidade nas cidades esta fortemente relacionada aos transportes, que impactam significativamente na qualidade de vida da populacao (ONU-Habitat, 2013; UN-Habitat, 2013), tanto por seu papel no desenvolvimento urbano, quanto por causarem externalidades negativas como o alto consumo de energia, os acidentes de transito e a emissao de gases de efeito estufa (Souza, 2015). Nos paises em desenvolvimento tais efeitos tendem a ser ainda mais severos, principalmente nos segmentos mais pobres (UN-Habitat, 2013).

Diante disso, a mobilidade esta cada vez mais presente nas politicas e estrategias territoriais e urbanas (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres [IMTT], 2011), sendo um plano de mobilidade comprometido com a sustentabilidade fundamental nesse processo de mudanca. Ao mesmo tempo, sua formulacao e implantacao representam um desafio conceituai e pratico (European Union [eu], 2014; Somik, 2013; Veiga, 2011), acentuado nos paises em desenvolvimento, por apresentarem areas superpopulosas, sistemas de transportes nao integrados e baseados nos modos rodoviarios (individuais e coletivos), redes viarias especializadas insuficientes e desbalanceamento espacial entre moradia e emprego (Cervero, 2013; Portugal, Florez & Silva, 2010).

No caso da America Latina e, mais especificamente, do Brasil, varias cidades apresentam essas caracteristicas, com desigualdades no acesso aos meios de transportes e as oportunidades disponiveis no espaco urbano. Segundo a CEPAL, a America Latina e o Caribe conformam a regiao menos equitativa do mundo, apesar dos avancos ocorridos a partir do inicio dos anos 2000 (Programa das Nacoes Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 2010).

Nesse ambiente--em que o planejamento normalmente nao e valorizado, nao conta com a participacao da sociedade e nem e exercido como um instrumento de transformacao (Portugal et al., 2010), instituicoes frageis sao pressionadas por grupos poderosos e influentes na destinacao de investimentos publicos, reforcando as diferencas sociais e espaciais (Vasconcellos, 2000). Nessas condicoes, ressalta-se a necessidade de um planejamento integrado que articule transporte e uso do solo (Gouvea, 2009), tornando mais equitativa a acessibilidade as atividades requeridas pela populacao, em particular a mais pobre e com restricoes de mobilidade, atraves das modalidades socialmente mais produtivas.

Nas metropoles brasileiras, e crescente o numero de pessoas que leva cada vez mais tempo nos deslocamentos casa/trabalho/casa, com cerca de 20% delas gastando mais de duas horas neste percurso (Ribeiro, Silva & Rodrigues, 2014). Ha ainda uma alta parcela de longas viagens feitas a pe como reflexo da exclusao social (Portugal et al., 2010), uma taxa de imobilidade elevada em cidades importantes como Sao Paulo e Rio de Janeiro (Motte-Baumvol & Nassi, 2012) e um alto indice de acidentes, cujas vitimas, em sua maioria (66%), sao pedestres, ciclistas e motociclistas (Waiselfisz, 2013).

O governo federal--motivado pelas manifestacoes populares realizadas no pais em 2013, que exigiam melhores servicos publicos, principalmente em mobilidade urbana--comecou a atuar mais fortemente tanto na regulamentacao como na destinacao de recursos nesse setor. Esse esforco buscou reverter decadas de abandono da questao urbana (Rolnik, 2013).

No marco regulatorio, a Lei no 12.587/12, denominada Lei Nacional de Mobilidade Urbana (LNMU), estabeleceu a obrigatoriedade de elaboracao de Planos de Mobilidade Urbana (PMU) aos municipios com mais de 20 mil habitantes. Quanto a alocacao de recursos, disponibilizaram-se vultosos valores para obras (1) e projetos (2) de transportes nos ultimos anos, dos quais apenas 3,8%, foram utilizados. Mesma proporcao ocorre quanto a realizacao de Plano de Mobilidade pelos municipios brasileiros: apesar da necessidade explicita e da exigencia legal, os Planos nao sao feitos ou nao atendem aos requisitos estabelecidos. (3)

A ausencia de uma cultura de planejamento (Rubim & Leitao, 2013) interfere nessa situacao, alem de um corpo tecnico nao valorizado e recursos orcamentarios, gerenciais e metodologicos incompativeis com as suas atribuicoes (Gemelli & Filippim, 2010), impulsionando o envolvimento de consultorias no planejamento dos transportes. Essas tendem a usar as metodologias tradicionais que vem sendo contestadas e criticadas por diversos estudos cientificos (Kane & Del Mistro, 2003; Straatemeier, 2008) e entidades internacionais (ONU-Habitat, 2013, Somik, 2013), que evidenciam uma preocupacao quanto a necessidade de novas abordagens.

Atualmente ha uma perspectiva promissora (Rubim & Leitao, 2013) com vistas a conscientizar a populacao e os gestores sobre novos conceitos no planejamento dos transportes, incorporando a sustentabilidade as decisoes tecnicas (Azevedo Filho & Rodrigues da Silva, 2012). O que reforca a criacao de abordagens alternativas, que valorizem o dialogo interdisciplinar e uma gestao mais democratica, baseada em metodos exequiveis e condizentes com a realidade brasileira.

Nesse sentido, o presente estudo objetiva contribuir com a promocao de uma mobilidade sustentavel atraves de um procedimento metodologico que estabeleca as bases para a formulacao de estrategias associadas a padroes de acessibilidade a serem implementados, em suas diferentes escalas territoriais, dando destaque ao conceito de acessibilidade, por seu potencial de articulacao entre transportes e uso do solo.

Revisao de Literatura--Criticas ao Planejamento dos Transportes Baseado na Abordagem Tradicional

A abordagem tradicional de planejamento dos transportes--que segundo alguns autores pouco difere na essencia da que surgiu nos anos 1950 e 1960 (Kane & Del Mistro, 2003)--segue a ideia de previsao da demanda futura e da provisao dos recursos necessarios para atende-la com mais infraestrutura (Herce, 2009), cuja viabilidade economica associa-se a reducao de custos operacionais e/ou do tempo de viagem (Azevedo Filho & Rodrigues da Silva, 2012).

Porem, alem de mascarar o problema temporariamente, esse tipo de abordagem desconsidera custos de mensuracao mais complexa, como aqueles relativos aos impactos ambientais (Banister, 2011), e restringe a concepcao integrada entre transporte e uso do solo, ignorando a interdependencia que existe entre eles (Herce, 2009; Waddell, Ulfarsson, Franklin & Lobb, 2007). Embora envolva tecnicas avancadas e sofisticadas, com apropriacao de dados da pesquisa origem-destino e de modelagem matematica, utilizando-se de recursos financeiros, computacionais e de pessoal especializado, elas ate hoje nao sao usadas, consistentemente, em muitas cidades do mundo (Frederico, 2001). E nos paises em desenvolvimento, como o Brasil, seu uso se mostra ainda mais problematico devido a uma realidade distinta daquela onde as mesmas foram originadas, e pelos recursos requeridos muitas vezes nao estarem disponiveis.

Outra critica refere-se a falta de um processo decisorio participativo (Fouracre, Sohail & Cavill, 2006). No caso brasileiro, a Lei de Mobilidade...

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