Do direito penal de classes ao direito penal do Estado social e democrático de Direito - Núm. 11, Diciembre 2011 - Revista Corpus Iuris Regionis - Libros y Revistas - VLEX 693945917

Do direito penal de classes ao direito penal do Estado social e democrático de Direito

AutorJacson Luiz Zilio
CargoPromotor de Justiça do Estado do Paraná. Centro Universitário Franciscano do Paraná
Páginas127-161
127
Corpus Iuris Regionis.
Revista Jurídica Regional y Subregional Andina 11
(Iquique, Chile, 2011) pp. 127-161
DO DIREITO PENAL DE CLASSES AO DIREITO PENAL DO ESTADO SOCIAL E
DEMOCRÁTICO DE DIREITO*
DEL DERECHO PENAL DE CLASE AL DERECHO PENAL DEL ESTADO
SOCIAL Y DEMOCRÁTICO DE DERECHO
CRIMINAL LAW CLASS OF THE CRIMINAL LAW OF SOCIAL DEMOCRATIC
STATE LAW
J L Z**
Centro Universitário Franciscano do Paraná
(Curitiba, Brasil)
* O presente texto contém partes das idéias discutidas e apresentadas no Ministério Público do Estado de Minas
Gerais, no dia 8 de outubro de 2010. Agradeço, desde já, o convite feito pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
Funcional (CEAF) do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialmente ao Procurador de Justiça e
sempre solícito amigo, Jacson Rafael Campomizzi, inclusive pela sugestão do tema.
** Promotor de Justiça do Estado do Paraná e doutor em “Problemas actuales del Derecho penal y de la
Criminología”, pela “Universidad Pablo de Olavide”, de Sevilha, Espanha. Pesquisador do Grupo de Estudos
Modernas Tendências do Sistema Criminal, do Centro Universitário Franciscano do Paraná/FAE, Curitiba/PR.
R
O presente trabalho busca esclarecer que o único sa-
ber penal que decorre do Estado social e democráti-
co de Direito é de caráter minimalista, que parte da
concepção de ato e não de autor. Desse modelo de
Estado saem os postulados necessários para o desen-
volvimento dum direito penal mínimo de conteúdo
preventivo, que contribui tanto para a proteção de
bens jurídicos mais relevantes, como para reduzir sig-
nif‌i cativamente a violência social que o sistema penal
cria e mantém encapsulado. A investigação percorre,
para tanto, as bases do direito penal de classes retra-
tadas na oposição política entre amigo e inimigo de
Carl Sscmitt, na oposição entre “homo sacer” (a vida
nua) e existência política (a vida qualif‌i cada) de que
fala Agamben e no controle e dominação burguesa
do projeto neoliberal. A partir dessa identif‌i cação da
deslegitimação do saber penal, busca-se fundar um
direito penal mínimo, de ato e decorrente da ética
universal dos direitos humanos, que estrutura o Esta-
do social e democrático de Direito.
P-C. Direito penal de classes; amigo e
inimigo; vida nua e vida qualif‌i cada; dominação e
projeto neoliberal; saber penal; direito penal mínimo;
legitimação e deslegitimação; Estado social e demo-
crático de Direito; dogmática penal; política criminal.
R
El presente trabajo busca esclarecer que el único sa-
ber penal que deriva del Estado social y democrático
de Derecho es de carácter minimalista, que parte de
la concepción de acto y no de autor. De ese modelo
de Estado salen los postulados necesarios para el de-
sarrollo de un derecho penal mínimo de contenido
preventivo, que contribuye tanto para la protección
de bienes jurídicos más relevantes, como para reducir
signi cativamente la violencia social que el sistema
penal crea y mantiene encapsulado. La investigación
sigue las bases del derecho penal de clases retratadas en
la oposición política entre amigo y enemigo de Carl
Schmitt, en la oposición entre “homo sacer” (la vida
nuda) y existencia política (la vida cali cada) de que
habla Agamben y en el control y dominación burgue-
sa del proyecto neoliberal. Desde la identi cación de
la deslegitimación del saber penal, intentase fundar
un derecho penal mínimo, de acto y derivado de ética
universal de los derechos humanos, que estructura el
Estado social y democrático de Derecho.
PALABRAS CLAVE. Derecho penal de clases; amigo y ene-
migo; vida nuda y vida cali cada; dominación y pro-
yecto neoliberal; saber penal; derecho penal mínimo;
legitimación y deslegitimación; Estado social y demo-
crático de Derecho; dogmática penal; política criminal.
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SUMARIOS
Í. I. Um saber penal deslegitimado: as teorias políticas ocultadas pelo direito
penal de classes: 1. A oposição política entre amigo e inimigo de Carl Schmitt; 2. A oposição
entre “homo sacer” (a vida nua) e existência política (a vida qualif‌i cada): a tese crítica de
Giorgio Agamben; 3. O controle e a dominação burguesa do projeto neoliberal; II. Um saber
penal legitimado: a reconstrução do discurso penal a partir do minimalismo penal; III. As
vinculações entre direito penal mínimo (de ato) e Estado social e democrático de Direito; IV.
Breves conclusões. V. Referências bibliográf‌i cas.
Í. I. Un saber penal deslegitimado: las teorías políticas ocultadas por el derecho
penal de clases: 1. La oposición política entre amigo y enemigo de Carl Schmitt; 2. La oposición
entre “homo sacer” (la vida nuda) y existencia política (la vida calif‌i cada): la tese crítica de
Giorgio Agamben; 3. El control y la dominación burguesa del proyecto neoliberal; II. Un
saber penal legitimado: la reconstrucción del discurso penal desde el minimalismo penal;
III. La vinculaciones entre derecho penal mínimo (de acto) y Estado social y democrático de
Derecho; IV. Breves conclusiones. V. Bibliograf‌i a.
I. UM SABER PENAL DESLEGITIMADO: AS TEORIAS POLÍTICAS OCULTADAS
PELO DIREITO PENAL DE CLASSES
O direito penal tradicional pretende legitimar-se -e legitimar a pena de prisão- entre
outros princípios, por meio da defesa do princípio da igualdade: o direito penal protege
todos os cidadãos contra ofensas aos bens essenciais e todos os cidadãos que violam as
normas jurídicas penais são sancionados. Entretanto, a realidade mostra que o direito penal
é o direito desigual por excelência, porque o sistema penal é a reprodução do sistema social.
O direito penal não defende os bens essenciais de todos os cidadãos e o status de criminoso
é distribuído de modo desigual. O grau de tutela dos bens jurídicos penais depende de
fatores típicos da “sociedade dividida” e da vulnerabilidade do cidadão. A distribuição
do status de criminoso também responde ao padrão da sociedade de classes, porque o
processo de seleção se dirige a comportamentos típicos de indivíduos pertencentes às classes
subalternas, em virtude da contradição nas relações de produção e distribuição capitalista.
Esses interesses do poder de punir, não declarados pelo saber penal que o legitima, podem
ser resumidos nos seguintes:
1. A oposição política entre amigo e inimigo de Carl Schmitt: “Soberano é aquele que
decide sobre o estado de exceção”. Esta conhecida def‌i nição de soberania que inaugura a
obra Teologia política de Carl Schmitt também marca o desenvolvimento da teoria política
baseada no signif‌i cado autônomo da decisão.3 O soberano, para Schmitt, é quem “decide
se existe um caso de exceção extrema e também o que se deve fazer para remediá-lo. Está
fora da ordem jurídica normal e forma parte dela, porque lhe corresponde a decisão sobre
se a Constituição pode suspender-se in toto4.
3 S, Carl, Teología política, em O A, Héctor, Carl Schmitt, teólogo de la política, Fondo de
Cultura Econômica (México, 2001), p. 23.
4 Ibidem, p. 24.
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A idéia central do pensamento de Schmitt não contém maiores complicações e
nem grandes dif‌i culdades de compreensão. Segundo af‌i rma Schmitt, a ordem jurídica não
pode regulamentar o conteúdo da necessidade extrema que dá causa à declaração do estado
de exceção. O estatuto normativo e o Estado de Direito podem instaurar um controle da
decisão a posteriori, mas não podem regulamentar o conteúdo das faculdades excepcionais.
A decisão de regulamentação do conteúdo se outorga ao poder soberano, que é a fonte
jurídica que, def‌i nitivamente, realiza politicamente o Direito, sem responsabilidade ou
controle. Signif‌i ca reconhecer que há situações de extrema necessidade e de perigo para
sobrevivência do Estado que não podem ser decididas a priori pelo Direito, mas sim por
uma decisão política de autêntica jurisdição. Porque o Direito, como sistema ordenado de
normas, está estruturado não somente por normas jurídicas, mas também e principalmente
por decisões que essencialmente são expressões de soberania, ou seja, expressões do poder do
soberano de decidir o conf‌l ito entorno do Direito. Trata-se, como af‌i rma o próprio Schmitt,
de um legislador extraordinário ratione necessitatis, porque as “f‌i cções e nebulosidades
normativas” somente valem para situações normais e a normalidade da situação que
pressupõe é um elemento básico do seu “valer”.5
Schmitt assevera que a ordem legal se origina de uma decisão e não de uma norma.
Toda ordem, inclusive no estado de exceção -que não é uma ordem jurídica, mas tampouco
é uma anarquia ou caos- repousa em uma decisão e não em uma norma. Nesse sentido,
mais importante que a validez do sistema jurídico é sua ef‌i cácia em uma situação concreta.
Por isso mesmo é que no “estado de exceção”, em que há uma situação anormal (extremus
necessitatis casus), não há norma para aplicar, mas sim uma decisão do soberano que “se
libera de toda atadura normativa e chega a ser neste sentido absoluta”.
Assim, pois, é a decisão do soberano que cria a ordem jurídica. O soberano é, em
suma, a “autêntica jurisdição” e “o juiz supremo do povo”, imune ao controle a posteriori,
já que o ato é judicial e está fundamentado no “princípio da primazia da direção política”.6
Daí advém a tese nodal de Schmitt de que o conceito de soberania -o soberano é aquele que
decide sobre o estado de exceção- é um conceito limite de conteúdo político.
Há um exemplo esclarecedor. No caso da antiga República de Weimar, o art. 48
def‌i nia o Presidente como autoridade soberana para poder “tomar as medidas necessárias
para o restabelecimento da segurança e da ordem pública”, inclusive suspendendo total ou
parcialmente os direitos fundamentais. Assim, pois, em estado de exceção passaram-se os
últimos anos da República de Weimar, antes da tomada do poder pelo partido nazista, em
1933.
A partir daí, então, Schmitt começa a escrever sobre a legalidade dos atos praticados
pelo Führer, fundamentados no “princípio da primazia da direção política”, já que ele
possuía o direito de atuar como “juiz supremo do povo” e guardião da Constituição,
determinando o conteúdo e a extensão. Desse modo, além de criticar abertamente e de
forma dura o liberalismo e o parlamentarismo anteriores, Schmitt promove racionalmente
uma quebra do princípio da separação de poderes, para propor uma justif‌i cação legal para
o nascimento do novo estado totalitário, baseado no povo e na raça.
5 S, Carl, Legalidad y legitimidad, em O A, Héctor, cit. (n. 3), p. 313.
6 S, Carl, El “Führer” defiende el derecho. El discurso de Hitler ante al Reichstag del 13 de julio de 1934,
em Z, Yves-Charles, Un detalle nazi en el pensamiento de Carl Schmitt, Anthropos (Barcelona, 2007), p. 89.

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