Globalizacao, metropoles e crise social no Brasil **. - Vol. 32 Núm. 95, Mayo 2006 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 55728909

Globalizacao, metropoles e crise social no Brasil **.

AutorMoreira de Carvalho, Inai
CargoTema central

Resumo

Este artigo discute como o processo de reestruturaçáo produtiva e a articulaçáo da economia brasileira ao processo de globalizaçáo vem impactando sobre as grandes metrópoles do país, onde se concentram as atividades produtivas, a riqueza e o poder, ao lado da populaçáo. Para tanto, o texto considera como o processo em apreço tem contribuído para a redefiniçáo de territórios, a conformaçáo de novas arquiteturas produtivas e urbanas e mudanças nas condiçóes ocupacionais e sociais. Assinala, a seguir, como esses fenõmenos vem ocorrendo nas áreas metropolitanos brasileiras, com o avanço da segmentaçáo urbana, da precariedade ocupacional, da vulnerabilidade e do desemprego, transformando-as no epicentro da crise social do Brasil.

Palavras chave: Brasil, globalização, metrópoles, crise social.

Abstract

This paper discusses the way in which productive restructuration process and Brazilian economy articulation are impacting the main metropolis of the country, where productive activities, wealth and power are concentrated besides the population. In doing so, the text considers how these processes have contributed to a territorial redefinition, as well as to a conformation of new productive and urban architectures and changes in occupational and social conditions. It is also pointed out how these phenomena are taking place in Brazilian metropolitan areas, with the advance of urban segmentation, labor fragility, vulnerability and unemployment, turning these areas into the core of social crisis in Brazil.

Key words: Brazil, globalization, metropolis, social crisis.

  1. Introduçáo

    Este trabalho se propõe a discutir como as transformações dos últimos anos têm atingido as metrópoles brasileiras, afetando as condições ocupacionais, ampliando a vulnerabilidade, degradando as condições de vida de seus habitantes e transformando-as no epicentro da crise social do país.

    O estudo das metrópoles, que concentram o aparato produtivo, a riqueza, a população e o poder na grande maioria dos países, adquiriu uma indiscutível relevância na agenda atual da pesquisa urbana, na medida em que o processo de globalização tem contribuído para revitalizar o seu papel e o seu crescimento; tem conformado uma nova geografia e uma arquitetura produtiva que tece redes e nós e qualifica e desqualifica espaços em função de fluxos mundializados, e, também, impactuado sobre a inorfologia territorial e social e sobre a organização e funcionamento dessas cidades, sobre a qualidade da vida urbana, as desigualdades e as mobilizações políticas e sociais.

    Porisso, estudos internacionais tem ressaltado os vínculos entre o global e o local, valorizados por novas propostas e modelos de gestão urbana, assim como a formação de um sistema mundial de cidades onde algumas mega-aglomerações que adquiriram uma renovada importância como "global cities" funcionariam como uma rede de nós articulados, através dos quais circulariam os mais importantes fluxos de informaçáo, capital e recursos. Tornando-se cada vez mais estratégicas para o capital global, elas concentrariam o poder econômico, as sedes das grandes corporações, o controle dos meios de comunicação, os serviços produtivos modernos e a difusão das mensagens dominantes. Isto se daria simultaneamente a uma polarização crescente entre esses espaços e o resto do mundo e ao aumento das diferenciações internas em cada uma das áreas envolvidas.

    Autores como Sassen (1991), Reich (1991) e Borja e Castells (1997), por exemplo, analisam as transformações em curso nessas cidades, com o declínio da atividade industrial, a expansão das atividades financeiras e dos serviços e a mudança do seu papel, tendo como hipótese básica à existência de vínculos estruturais e necessários entre a globalização e a intensificação da dualização social das metrópoles. Com a segmentação do mercado de trabalho, as transformações assinaladas produziriam uma nova estrutura social, marcada pela polarizaçáo entre categorias superiores e inferiores da hierarquia social e pela concentração de renda, assina como pela redução das camadas médias (1). Refletindo-se no plano espacial, esses processos gerariam, também, a dualização das estruturas urbanas.

    Investigações realizadas em metrópoles como Paris, Londres, Rio de Janeiro, Buenos Aires ou Santiago do Chile, porém, não confirmam a substituição da estrutura de classes da sociedade industrial por uma polarização entre os mais ricos e os mais pobres nem a dualização do espaço urbano. Evidenciam, antes, uma certa estabilidade das estruturas social e urbana, ao lado de transformações similares como a redução do proletariado industrial, o crescimento do setor terciário e do emprego em serviços ou o empobrecimento de zonas centrais (Ribeiro, 2000 e 2004; De Mattos, 2004; Preteceille, 2003).

    Assim, não se pode considerar a existência de uma trajetória única e de tendências universais e inexoráveis para as cidades globais e, muito menos, para as metrópoles de caráter nacional e regional, uma vez que a globalização constitui um processo inacabado e contraditório, com efeitos bastante seletivos sobre os diferentes territórios e dinãmicas que envolvem tanto a homogeneização quanto a diferenciação e a singularização; comandado por forças transnacionais, esse processo não elimina a influência das instituiçóes, atores e decisões políticas nacionais e locais e seus efeitos não deixam de star associados à história e às condições de cada país no momento em que se incorporam mais estreitamente à dinâmica da globalização.

    Assinalando como estudos sobre a segregação sócio-espacial têm constatado uma inércia histórica na estrutura hierárquica das grandes cidades e como a mesma não pode ser interpretada como um efeito direto das recentes transformações, Preteicelle (2003, p. 32) ressalta que "ela é, inevitavelmente, uma herança histórica dos movimentos da economia e da sociedade no longo prazo, cristalizada tanto nas estruturas materiais do espaço construído como nas formas sociais da sua valorização simbólica e de apropriação". Reconhecendo esse fato, o presente trabalho começa por se reportar à trajetória e às características do processo de urbanização e metropolização no Brasil, discutindo, a seguir, suas atuais condições.

  2. Urbanizaçáo e metropolização no Brasil

    Com uma economia primário-exportadora, baseada na grande propriedade, no trabalho escravo e na produção de alimentos e matérias primas para os centros mais avançados da economia mundial, durante alguns séculos o Brasil foi um país essencialmente rural. Como assinala Faria (1976), em 1920 apenas 16,6% da população brasileira residia em cidades. Contudo, as próprias exigências e características dessa economia, como o caráter cíclico dos seus produtos de exportação, levando à substituição e deslocamento dos mesmos no espaço geográfico, contribuiu para uma relativa dispersão da população e para uma expansão do sistema de cidades, com a constituição de um arcabouço urbano de certa envergadura.

    Em decorrência do próprio crcscimento vegetativo da população brasileira, das transformações na agropecuária, intensificação das migrações internas e uma incipiente industrialização, a partir da década de 30 do século passado essa expansáo se acelerou. Em 1940 a população urbana já representava 31,2% dos residentes do país, mas até 1960 ela ainda era inferior a populaçáo rural. Duas décadas mais tarde, porém, com um aumento considerável da velocidade do crescimento das cidades, o Brasil tornou-se predominantemente urbano. Em 1980 67,6% dos brasileiros residiam em centros urbanos e em 2000 esse número chegou a 81,2%, com a sua concentração em um elevado e crescente número de centros de vários tamanhos e em algumas grandes aglomeraçóes metropolitanas.

    Como se sabe, esses fenômenos foram associados a profundas mudanças estruturais, que transformaram a antiga sociedade de base agrária em um país urbano industrial moderno. Alavancados por um estado desenvolvimentista e por um exitoso processo de substituição de importações, do período após a segunda grande guerra até os anos 70, a riqueza e a renda per capita foram multiplicadas por cinco e o produto interno bruto cresceu a uma taxa média de 5,9% ao ano (Pochmann et al, 2004). Com o avanço da industrialização e dos serviços modernos a estrutura produtiva do país tornou-se mais dinâmica, complexa e diversificada, com uma expansão e diferenciaçáo do mercado de trabalho, das classes e da estrutura social.

    Contudo, esse desenvolvimento teve um caráter bastante desigual e excludente, sendo incapaz de efetuar as reformas civilizatórias do capitalismo (como a reforma agrária, a reforma tributária ou uma reforma que universalizasse a proteção social) e de distribuir melhor a riqueza, como ocorreu nos países onde se constituiu a denominada "sociedade salarial".

    Tanto a necessidade de uma certa concentraçáo espacial de infra-estrutura e serviços como a trajetória e o caráter dessa industrialização levaram à sua localização em algumas poucas áreas e centros urbanos, que se tornaram pontos de ancoragem privilegiados das grandes empresas nacionais e multinacionais. Isto estimulou o crescimento das atividades terciárias e da riqueza local atraindo grandes fluxos migratórios para essas cidades, que terminaram por assumir uma configuraçáo metropolitana (com a conurbação de vários municípios) e por concentrar uma proporção bastante elevada da produção, da riqueza e da população nacional.

    Como assinalam Moura et al., (2004), em 1970 Sáo Paulo e Rio de Janeiro já conformavam amplas áreas metropolitanas, onde se encontrava, respectivamente, 15,63% e 13,23% da população urbana do país. Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Salvador, que desempenhavam a função de capitais de Estado, abrigavam outros 16,7%, evidenciando que o fenômeno da metropolização se ampliava, mas sem romper o hiato que distingue esse conjunto de cidades. A industrialização e a constituição de um mercado nacional integrado estabeleceram...

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